Fotografia
A “natureza morta” das bonecas sexuais do Japão
A "fábrica de fantasias" de Leya Arata, em Osaka, no Japão, é um ponto de encontro entre a morte e o amor por bonecas sexuais. Organiza funerais dedicados a bonecas em fim de vida e encena a morte de clientes, para quem o estúdio é "um refúgio".
No estúdio caseiro de Leya Arata, em Osaka, no Japão, decorrem rituais, no mínimo, bizarros. A Human-Love Doll Factory é uma espécie de casa fúnebre onde decorrem cerimónias dedicadas a bonecas sexuais. À European Press Agency (EPA), a fotógrafa e dona deste espaço ressalva: “Estas bonecas são muito mais do que parceiras sexuais para quem visita o meu estúdio. Elas são família e nós queremos tratá-las como tal.”
Numa sociedade “altamente regulamentada” do ponto de vista do comportamento social, onde a pressão para a conformidade é enorme, a “fábrica de fantasias” de Leya Arata serve como uma luva a quem não consegue integrar-se. O provérbio japonês “o prego que tem a cabeça de fora será martelado para dentro” confirma essa pressão.
A fotógrafa acredita que os seus clientes procuram um lugar onde possam ser amados, aceites, desejados. “Todos são excelentes seres humanos, mas têm baixa auto-estima. O seu desejo de mudança e de integração é tão forte que este acaba por ser o último lugar [onde se enquadram]. E eu quero estar cá para isso.” As imagens da EPA descrevem algumas sessões no interior deste estúdio, que vão desde funerais dedicados a bonecas sexuais em fim de vida até à encenação da morte de alguns clientes, vestidos como bonecas sexuais.
A enfermeira de 39 anos, Ai Kaneko, por exemplo, viajou, de propósito, desde Tóquio até Osaka para encenar a sua própria morte, encarnando uma boneca sexual. “Quero ser bonita, ser o objecto de alguém, como uma boneca sexual. Não para ser dominada, mas para ser estimada, como as bonecas sexuais são.”
A secção Corpse Lab existe para que os seus clientes possam explorar a própria mortalidade. “Uma pseudo-morte”, descreve a EPA. O cliente descreve a Arata, pormenorizadamente, a forma como deseja “morrer” ou “ser assassinado” e o estúdio encena a fantasia da forma mais real possível.
E foi isso que fez Kaneko, que garante que o estúdio lhe salvou a vida. Tem pensamentos suicidas desde há 15 anos, altura em que encontrou o seu namorado sem vida, enforcado. “Durante muitos anos, após a morte do meu namorado, estive muito mal. Tentei matar-me muitas vezes.” O estúdio em Osaka “tornou-se um refúgio”. “Quando sinto que não consigo continuar, saber que este lugar existe torna-me mais forte.”
Os serviços da Human-Love Doll Factory podem custar várias centenas de dólares e incluem fotografias captadas por Arata. É importante que os clientes possam recordar as suas experiências. “Contemplar a própria morte pode levar-te a pensar na tua vida de forma mais séria”, diz a empresária à EPA, enquanto toca as cicatrizes que tem no seu braço. A japonesa tentou tirar a própria vida muitas vezes desde a sua infância, altura em que era vítima de bullying. “Tenho cicatrizes em todo o corpo”, garante. Não é, por isso, de estranhar que tenha misturado a arte fotográfica com as encenações de morte.
Megumi Kazuki, de 38 anos, psicóloga em Osaka, tem a fantasia de “ser assassinada” pelo ex-companheiro com quem terminou um relacionamento há vários meses e por quem mantém sentimentos fortes. “Quero ser assassinada por ele para poder esquecê-lo de uma vez por todas e seguir a minha vida”, diz à EPA. Após a encenação, registada por Arata e pela EPA, Megumi levanta-se do chão com um largo sorriso e um suspiro de alívio. “Fui libertada. Sinto-me muito bem! Senti alegria em cada parte do meu corpo.”
Mako, artista de 43 anos, de Tóquio, que se veste de mulher há cerca de quatro anos, perdeu recentemente a avó e a irmã. “Todos caminhamos em direcção à morte todos os dias, passo a passo. Eu irei morrer, um dia. Todos iremos morrer. E sentir a morte como algo que é real faz-me sentir mais bem preparado para enfrentar esse dia.” Mako veste-se como uma boneca sexual, encarnando o seu eu feminino, e “jaz” num caixão, contemplando a sua própria mortalidade.
O Japão tem a sétima taxa mais alta de suicídios em todo o mundo – e a mais alta do grupo G7, de acordo com dados da OCDE. Há registo de 20 mil suicídios por ano, no Japão. A EPA refere que, com a crise que decorre da pandemia de covid-19, pode dar-se nova vaga de suicídios entre jovens adultos, que é a idade mais susceptível a este fenómeno.
Muitos são os clientes satisfeitos de Arata – tantos quanto as mensagens de agradecimento que recebe, em que afirmam terem sido salvos por si e pelas experiências que lhes ofereceu. Mas é Arata quem agradece. “Os meus clientes dão-me força para continuar a viver. Eles, sim, é que me salvaram.”
Linhas de Apoio e de Prevenção do Suicídio em Portugal
SOS Voz Amiga. Lisboa. Das 16h às 24h. 213 544 545 / 912 802 669 / 963 524 660. Linha Verde gratuita - 800 209 899 (Entre as 21h e as 24h)
Conversa Amiga. Inatel. Das 15h às 22h. 808 237 327 / 210 027 159
Vozes Amigas de Esperança de Portugal. Voades-Portugal. Das 16h às 22h. 222 030 707
Telefone da Amizade. Porto. Desde 1982. Das 16h às 23h. 222 080 707
Voz de Apoio. Porto. Das 21h às 24h. 225 506 070