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A “natureza morta” das bonecas sexuais do Japão

A "fábrica de fantasias" de Leya Arata, em Osaka, no Japão, é um ponto de encontro entre a morte e o amor por bonecas sexuais. Organiza funerais dedicados a bonecas em fim de vida e encena a morte de clientes, para quem o estúdio é "um refúgio".

Arata limpa o corpo de Mako, artista de 43 anos, que simula o seu próprio funeral vestido de boneca sexual, no estúdio em Osaka ©Dai Kurokawa/EPA
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Arata limpa o corpo de Mako, artista de 43 anos, que simula o seu próprio funeral vestido de boneca sexual, no estúdio em Osaka ©Dai Kurokawa/EPA

No estúdio caseiro de Leya Arata, em Osaka, no Japão, decorrem rituais, no mínimo, bizarros. A Human-Love Doll Factory é uma espécie de casa fúnebre onde decorrem cerimónias dedicadas a bonecas sexuais. À European Press Agency (EPA), a fotógrafa e dona deste espaço ressalva: “Estas bonecas são muito mais do que parceiras sexuais para quem visita o meu estúdio. Elas são família e nós queremos tratá-las como tal.”

Numa sociedade “altamente regulamentada” do ponto de vista do comportamento social, onde a pressão para a conformidade é enorme, a “fábrica de fantasias” de Leya Arata serve como uma luva a quem não consegue integrar-se. O provérbio japonês “o prego que tem a cabeça de fora será martelado para dentro” confirma essa pressão.

A fotógrafa acredita que os seus clientes procuram um lugar onde possam ser amados, aceites, desejados. “Todos são excelentes seres humanos, mas têm baixa auto-estima. O seu desejo de mudança e de integração é tão forte que este acaba por ser o último lugar [onde se enquadram]. E eu quero estar cá para isso.” As imagens da EPA descrevem algumas sessões no interior deste estúdio, que vão desde funerais dedicados a bonecas sexuais em fim de vida até à encenação da morte de alguns clientes, vestidos como bonecas sexuais.

A enfermeira de 39 anos, Ai Kaneko, por exemplo, viajou, de propósito, desde Tóquio até Osaka para encenar a sua própria morte, encarnando uma boneca sexual. “Quero ser bonita, ser o objecto de alguém, como uma boneca sexual. Não para ser dominada, mas para ser estimada, como as bonecas sexuais são.”

A secção Corpse Lab existe para que os seus clientes possam explorar a própria mortalidade. “Uma pseudo-morte”, descreve a EPA. O cliente descreve a Arata, pormenorizadamente, a forma como deseja “morrer” ou “ser assassinado” e o estúdio encena a fantasia da forma mais real possível.

E foi isso que fez Kaneko, que garante que o estúdio lhe salvou a vida. Tem pensamentos suicidas desde há 15 anos, altura em que encontrou o seu namorado sem vida, enforcado. “Durante muitos anos, após a morte do meu namorado, estive muito mal. Tentei matar-me muitas vezes.” O estúdio em Osaka “tornou-se um refúgio”. “Quando sinto que não consigo continuar, saber que este lugar existe torna-me mais forte.”

Os serviços da Human-Love Doll Factory podem custar várias centenas de dólares e incluem fotografias captadas por Arata. É importante que os clientes possam recordar as suas experiências. “Contemplar a própria morte pode levar-te a pensar na tua vida de forma mais séria”, diz a empresária à EPA, enquanto toca as cicatrizes que tem no seu braço. A japonesa tentou tirar a própria vida muitas vezes desde a sua infância, altura em que era vítima de bullying. “Tenho cicatrizes em todo o corpo”, garante. Não é, por isso, de estranhar que tenha misturado a arte fotográfica com as encenações de morte.

Megumi Kazuki, de 38 anos, psicóloga em Osaka, tem a fantasia de “ser assassinada” pelo ex-companheiro com quem terminou um relacionamento há vários meses e por quem mantém sentimentos fortes. “Quero ser assassinada por ele para poder esquecê-lo de uma vez por todas e seguir a minha vida”, diz à EPA. Após a encenação, registada por Arata e pela EPA, Megumi levanta-se do chão com um largo sorriso e um suspiro de alívio. “Fui libertada. Sinto-me muito bem! Senti alegria em cada parte do meu corpo.”

Mako, artista de 43 anos, de Tóquio, que se veste de mulher há cerca de quatro anos, perdeu recentemente a avó e a irmã. “Todos caminhamos em direcção à morte todos os dias, passo a passo. Eu irei morrer, um dia. Todos iremos morrer. E sentir a morte como algo que é real faz-me sentir mais bem preparado para enfrentar esse dia.” Mako veste-se como uma boneca sexual, encarnando o seu eu feminino, e “jaz” num caixão, contemplando a sua própria mortalidade.

O Japão tem a sétima taxa mais alta de suicídios em todo o mundo – e a mais alta do grupo G7, de acordo com dados da OCDE. Há registo de 20 mil suicídios por ano, no Japão. A EPA refere que, com a crise que decorre da pandemia de covid-19, pode dar-se nova vaga de suicídios entre jovens adultos, que é a idade mais susceptível a este fenómeno.

Muitos são os clientes satisfeitos de Arata – tantos quanto as mensagens de agradecimento que recebe, em que afirmam terem sido salvos por si e pelas experiências que lhes ofereceu. Mas é Arata quem agradece. “Os meus clientes dão-me força para continuar a viver. Eles, sim, é que me salvaram.”

Linhas de Apoio e de Prevenção do Suicídio em Portugal
SOS Voz Amiga. Lisboa. Das 16h às 24h. 213 544 545 / 912 802 669 / 963 524 660. Linha Verde gratuita - 800 209 899 (Entre as 21h e as 24h)

Conversa Amiga. Inatel. Das 15h às 22h. 808 237 327 / 210 027 159

Vozes Amigas de Esperança de Portugal. Voades-Portugal. Das 16h às 22h. 222 030 707

Telefone da Amizade. Porto. Desde 1982. Das 16h às 23h. 222 080 707

Voz de Apoio. Porto. Das 21h às 24h. 225 506 070

Cerimónia fúnebre da boneca sexual Ran, no interior do estúdio de Leya Arata, em Osaka, Japão
Cerimónia fúnebre da boneca sexual Ran, no interior do estúdio de Leya Arata, em Osaka, Japão ©Dai Kurokawa/EPA
A cerimónia decorre no interior do estúdio de Leya Arata, em Osaka, Japão
A cerimónia decorre no interior do estúdio de Leya Arata, em Osaka, Japão ©Dai Kurokawa/EPA
Flores são colocadas junto à boneca sexual chamada Ran, que jaz num caixão no interior do estúdio, em Osaka
Flores são colocadas junto à boneca sexual chamada Ran, que jaz num caixão no interior do estúdio, em Osaka ©Dai Kurokawa/EPA
Um monge budista - que é também actor pornográfico - preside ao funeral da boneca sexual Ran, enquanto duas outras bonecas assistem à cerimónia.
Um monge budista - que é também actor pornográfico - preside ao funeral da boneca sexual Ran, enquanto duas outras bonecas assistem à cerimónia. ©Dai Kurokawa/EPA
Maquilhador Hiiro (à direita) e Leya Arata (à esquerda) rezam junto do caixão
Maquilhador Hiiro (à direita) e Leya Arata (à esquerda) rezam junto do caixão ©Dai Kurokawa/EPA
Megumi Kazuki é maquilhada pela equipa de Arata, antes da encenação do seu próprio homicídio
Megumi Kazuki é maquilhada pela equipa de Arata, antes da encenação do seu próprio homicídio ©Dai Kurokawa/EPA
Hiiro e Arata rezam junto ao corpo de Megumi Kazuki, de 38 anos, que encenou o seu próprio homicídio
Hiiro e Arata rezam junto ao corpo de Megumi Kazuki, de 38 anos, que encenou o seu próprio homicídio ©Dai Kurokawa/EPA
Arata assume o papel de fotógrafa forense no cenário de morte de Megumi Kazuki, que encenou o seu próprio homicídio
Arata assume o papel de fotógrafa forense no cenário de morte de Megumi Kazuki, que encenou o seu próprio homicídio ©Dai Kurokawa/EPA
As bonecas sexuais Sayaka (à esquerda) e Rinne (à direita) estão sentadas junto à entrada da Human-Love Doll Factory
As bonecas sexuais Sayaka (à esquerda) e Rinne (à direita) estão sentadas junto à entrada da Human-Love Doll Factory ©Dai Kurokawa/EPA
Ai Kaneko, enfermeira de 39 anos, posa para a fotografia de Arata após ter sido transformada em boneca sexual pela equipa de maquilhagem do estúdio
Ai Kaneko, enfermeira de 39 anos, posa para a fotografia de Arata após ter sido transformada em boneca sexual pela equipa de maquilhagem do estúdio ©Dai Kurokawa/EPA
Ai Kaneko posa para a fotografia de Arata após ter sido transformada numa bonexa sexual pela equipa de maquilhagem do estúdio
Ai Kaneko posa para a fotografia de Arata após ter sido transformada numa bonexa sexual pela equipa de maquilhagem do estúdio ©Dai Kurokawa/EPA
Arata usa cordas para amarrar Ai Kaneko que foi transformada em boneca sexual, para simular uma sessão de bondage
Arata usa cordas para amarrar Ai Kaneko que foi transformada em boneca sexual, para simular uma sessão de bondage ©Dai Kurokawa/EPA
Ai Kaneko é fotografada com o seu número de série e o seu nome de boneca, Kokoro, antes de ser embalada
Ai Kaneko é fotografada com o seu número de série e o seu nome de boneca, Kokoro, antes de ser embalada ©Dai Kurokawa/EPA
Ai Kaneko, enfermeira de 39 anos, é colocada no interior de uma caixa de cartão após a sua transformação em boneca sexual
Ai Kaneko, enfermeira de 39 anos, é colocada no interior de uma caixa de cartão após a sua transformação em boneca sexual ©Dai Kurokawa/EPA
Ai Kaneko é "embalada" numa caixa de cartão após a sua transformação em boneca sexual na Human-Love Doll Factory
Ai Kaneko é "embalada" numa caixa de cartão após a sua transformação em boneca sexual na Human-Love Doll Factory ©Dai Kurokawa/EPA
Tsukimi, uma estagiária do estúdio Human-Love Dolls Factory, posa para uma sessão fotográfica após a sua transformação numa boneca sexual do estilo empregada doméstica
Tsukimi, uma estagiária do estúdio Human-Love Dolls Factory, posa para uma sessão fotográfica após a sua transformação numa boneca sexual do estilo empregada doméstica ©Dai Kurokawa/EPA
Tsukimi posa para fotografia dentro de uma embalagem de envio, após a sua transformação em boneca sexual
Tsukimi posa para fotografia dentro de uma embalagem de envio, após a sua transformação em boneca sexual ©Dai Kurokawa/EPA
Mako, artista de 43 anos que perdeu recentemente a avó e a irmã, "jaz" no interior de um caixão vestido de mulher.
Mako, artista de 43 anos que perdeu recentemente a avó e a irmã, "jaz" no interior de um caixão vestido de mulher. ©Dai Kurokawa/EPA
Mako levanta-se após ter simulado o próprio funeral, vestido de boneca sexual
Mako levanta-se após ter simulado o próprio funeral, vestido de boneca sexual ©Dai Kurokawa/EPA
Leya Arata conversa com o seu colega no seu estúdio em Osaka.
Leya Arata conversa com o seu colega no seu estúdio em Osaka. ©Dai Kurokawa/EPA