Três cenários para Portugal: 2021 pode começar com 4 mil, 8 mil ou 11 mil mortes – tudo depende das medidas tomadas
Projecções apontam para aumento de casos e mortes nos próximos meses e pode vir aí um “Dezembro mortífero” no hemisfério norte. Mais máscaras, mais testes e medidas locais: são estas as três chaves para gerir o aumento de casos em Portugal, diz especialista.
São três cenários diferentes que traçam a possível evolução da covid-19 em Portugal dependendo das medidas aplicadas. O Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde (IHME) da Universidade de Washington divulgou um conjunto de projecções que mostra como pode evoluir a pandemia em Portugal (e no mundo) tendo em conta os números registados até agora: no primeiro dia de 2021, poderá haver um total de 4 mil, 8 mil ou 11 mil mortes em Portugal – tudo dependerá do uso de máscara, das medidas de restrição e até da possibilidade de haver novo confinamento se os casos e mortes continuarem a aumentar.
“Não há nenhuma inevitabilidade nestes números”, acautela o especialista em saúde pública internacional Tiago Correia, quando questionado sobre estas projecções. “Temos de olhar para estas projecções, ter noção de que elas existem, tomá-las por sérias e perceber que temos de fazer alguma coisa.”
Segundo estas projecções, o “melhor” cenário implicaria que 95% da população começasse a usar máscara nos próximos sete dias e que pudesse haver novo confinamento (com escolas e comércios fechados e proibição de ajuntamentos) durante seis semanas caso a taxa de mortes por covid-19 atinja os oito mortes por dia e por milhão de habitantes. Isto faria com que o número de mortes em Portugal fosse de 4016 a 1 de Janeiro de 2021. “Se os casos não aumentarem muito, para mim é relativamente claro que não é preciso um confinamento”, comenta Tiago Correia.
Já o “pior” cenário prevê o uso de máscara nas mesmas circunstâncias de hoje, mas com um alívio gradual das medidas de restrição, que nunca voltariam a ser reimpostas (recusando-se, por exemplo, o regresso ao confinamento ou encerramento de escolas e comércios). Aqui, o balanço de mortes será mais negro, de acordo com as projecções: poderão ser 11.253 no início do ano. A esse ritmo e com a iminência de uma segunda vaga no Inverno, o número de infecções diárias poderia chegar aos 85 mil em Portugal – o IHME salvaguarda que este número diário “inclui casos de infecção em pessoas que não fazem o teste à covid-19”.
Aquela que é descrita como projecção “actual” – também definida pelo instituto como “mais provável” – é um cenário intermédio em que continua a haver um alívio das medidas de restrição e uso de máscara, existindo a possibilidade de novo confinamento e medidas restritivas (as mesmas referidas em cima) durante seis semanas caso a taxa de mortalidade seja superior a oito por milhão de habitantes. Neste cenário, o número de mortes por covid-19 no início de 2021 será de 8113 pessoas (até hoje foram registadas 1843 mortes). Aqui, o número de casos por dia a 1 de Janeiro seria de 5366, um número inferior aos outros cenários por implicar novo confinamento no início de Dezembro.
O que pode ser feito?
São as medidas tomadas que podem confirmar ou aniquilar a profecia destas projecções. A utilização de máscaras deve ser expandida, deve reforçar-se a política de testes, a capacidade de manter pessoas infectadas em isolamento e também gerir os casos a nível local, defende o professor de Saúde Pública Internacional no Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa.
Tiago Correia acredita que estes gráficos mostram que a utilização das máscaras é uma “boa medida preventiva”, mas por si só não são suficientes. “O sinal que estamos a ter na última semana é que a máscara por si só não está a funcionar. Não resolve tudo e mesmo com máscaras, os casos vão aumentar”, afirma.
A política de testes deve também ser reforçada para evitar a “ambiguidade” que existe actualmente: todas as pessoas que sejam casos suspeitos por terem estado em contacto com alguém infectado devem fazer teste, defende o docente. Tiago Correia argumenta ainda que deveria ser aplicado um sistema de vigilância epidemiológico que funcionasse a nível local, das freguesias ou dos concelhos. “Se gerirmos isto localmente, o país vai estar sempre a várias velocidades epidemiológicas como tem estado. Pode tomar-se a decisão até de fechar toda uma cidade de forma a ser menos prejudicial para a economia do concelho e do país”, explica.
Analisando estas projecções (actualizadas a 3 de Setembro), mais de 770 mil mortes podem ser evitadas em todo o mundo até Janeiro de 2021 se se tomarem medidas como distanciamento social e uso de máscara. “Estamos a enfrentar a hipótese de um Dezembro mortífero, sobretudo na Europa, Ásia Central e nos Estados Unidos”, afirmou o director do IHME, Christopher Murray, citado em comunicado. “Mas a ciência é clara e as provas são irrefutáveis: usar máscaras, manter o distanciamento social e limitar os ajuntamentos são vitais para ajudar a travar a transmissão do vírus.”
Segundo o director do instituto norte-americano, estas são as primeiras projecções globais com pormenor para cada país e poderão ajudar os governos e autoridades de saúde a tomar decisões. Estas projecções foram mencionadas no Twitter pelo deputado social-democrata Ricardo Baptista Leite a dois dias do regresso das reuniões epidemiológicas entre políticos e especialistas, que decorre esta segunda-feira, no Porto.
Segunda vaga na Europa?
Os números de novos casos de infecção na Europa têm vindo a aumentar com a maior circulação de pessoas após o desconfinamento e teme-se que já tenha começado uma segunda vaga em alguns países. É isso que mostra um estudo desenvolvido por um hospital de Barcelona e pela Universidade Politécnica da Catalunha: Espanha estará já a enfrentar uma “segunda vaga” do coronavírus SARS-CoV-2 e é preciso que as autoridades europeias tomem medidas para travar uma segunda vaga em toda a Europa.
Se tal não acontecer, a Europa pode voltar a uma situação semelhante à de Março, quando houve uma transmissão descontrolada deste coronavírus. “As pessoas no Hemisfério Norte devem estar particularmente vigilantes com a chegada do Inverno, já que o coronavírus, tal como a pneumonia, é mais prevalecente em climas frios”, alertou o director do IHME.
O perito Tiago Correia refere que Portugal ainda não saiu da primeira vaga porque houve uma persistência de casos em Junho e Julho, mas que ainda assim é provável que o número de casos venha a aumentar nos próximos meses. “Por muito que façamos, a probabilidade de haver um aumento é muito elevada. Porque é isso que está a acontecer noutros países e não há nenhuma razão para suspeitar que em Portugal isso não venha a acontecer”, admite.
Quanto a Espanha – que tem agora 498 mil casos de infecção e 29 mil mortes –, o número crescente de casos pode ser explicado pelo “efeito dos bares e dos restaurantes”, em que se torna mais difícil usar máscara e manter o distanciamento físico, e também pelo facto de o país ter levantado as restrições à mobilidade antes dos outros países da União Europeia, o que levou também a um aumento da actividade social, referem os investigadores.
Os dados do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) mostram que Espanha tem a maior taxa de infecção da Europa, com uma incidência de 240 casos por cada 100 mil habitantes nos últimos 14 dias. Segue-se França com 118 casos por cada 100 mil habitantes no mesmo período de tempo; Portugal tem 43,7 casos por 100 mil habitantes. No estudo catalão, Portugal surge apenas mencionado quando se refere que só dois países (Portugal e Suécia) tiveram uma maior incidência de novos casos em Junho do que Espanha.