Nem todos vamos para Medicina. E ainda bem
Gostaria de dizer, imbuída em espírito de missão, a todos os que estão no processo complicado das candidaturas ao ensino superior: a maior parte de nós não sabe exactamente o que quer, muitos erram e precisam de uma segunda oportunidade num novo curso, mas talvez não seja a melhor ideia ceder à pressão.
A minha turma do secundário era, provavelmente, das melhores em termos de resultados académicos de uma escola pública. Quando o professor de Física e Química sondou a turma em relação às preferências profissionais, logo no 10.º ano, arriscaria dizer que perto de metade da turma respondeu Medicina. E, confesso, até com alguma vergonha, que eu respondi exactamente o mesmo.
Não sei exactamente quais foram os motivos para não ter entrado, mas o primeiro foi, obviamente, uma média de 17 valores claramente insuficiente. E, depois, um certo interesse que se dissipou rapidamente. E aqui talvez resida o busílis da questão: porque é que tantos de nós respondemos com pouca hesitação Medicina?
Para além de toda a ideia de salários com valores simpáticos, que a maioria dos médicos se apressarão a negar, há todo um misticismo associado, uma ideia romântica que se mistura com as séries de televisão e a bata branca esvoaçante. Não esquecendo que socialmente ir para Medicina é, não apenas muito bem aceite, como altamente valorizado.
Durante todo o meu percurso académico, ir para Medicina era frequentemente visto pelos professores como a assunção maior de um percurso académico bem sucedido. E, aqui, atrevo-me a lamentar este enorme erro. Eu fiz todo um secundário a ouvir um burburinho de fundo, às vezes alto e sonante: “Foge das Letras, todos sabemos como vais ser comido pelo bicho do desemprego e dos maus salários”, ou “Olha como ficavas bem em Medicina ou numa Engenharia!”.
Quando terminei o secundário, não fazia a mais pálida ideia do percurso certo. Se é que há percurso certo. Inscrevi-me num curso de cinco anos de Medicina Chinesa, por continuar a achar que saúde era o meu caminho. Não era. Fui profundamente infeliz, cada segundo. Não sou dotada das características necessárias para escutar pacientes, examinar ou fazer diagnósticos. Não sou cuidadosa, sou até profundamente desastrada. E, embora seja particularmente boa a memorizar informação em barda, memorizar informação a contragosto torna-se particularmente amargo.
E, de repente, três anos depois do secundário concluído, precisei de apagar o burburinho do subconsciente e matriculei-me numa licenciatura em Fotografia.
Gostava de dizer ao meu eu de 17 anos que se estava a candidatar à Universidade que, embora sinta cada vez mais que uma licenciatura não determina de forma estanque o percurso profissional de uma vida toda, não vale a pena olhar a profissão escolhida como um “castigo que se terá de viver”. Ou, em todo o caso, viver os três anos (ou até cinco, no caso dos mestrados integrados) da licenciatura em sofrimento.
Não o podendo fazer, gostaria de dizer, imbuída em espírito de missão, a todos os que estão no processo complicado das candidaturas ao ensino superior: a maior parte de nós não sabe exactamente o que quer, muitos erram e precisam de uma segunda oportunidade num novo curso, mas talvez não seja a melhor ideia ceder à pressão e escolher uma área da qual não se gosta, apenas e somente por ter uma boa empregabilidade.
Em relação à minha turma, uma breve prolepse de três anos permite-me satisfazer a curiosidade do leitor: apenas um aluno entrou em Medicina. E, provavelmente, foi melhor assim.