Hoje é no Museu do Chiado, amanhã pode ser noutro

De exposição por inaugurar durante mais de dois meses, Dissonâncias passou a exposição que vai inaugurar daqui a um mês. Ficamos à espera.

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GONCALO SANTOS/ Arquivo

Afinal, o que é que se passa com a nova exposição do Museu do Chiado? Ou será melhor perguntar o que é que se passa com a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC)?

A 25 de Agosto, ao início da noite, o PÚBLICO avançou com a notícia de que o Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC) - Museu do Chiado tinha há mais de dois meses montada uma exposição que não ia chegar a abrir. Dissonâncias, composta por 87 obras chegadas ao acervo do museu nos últimos dez anos — nove compradas pelo Estado, 78 doadas por artistas e coleccionadores, ou por familiares —, sofrera já compreensíveis adiamentos por causa da pandemia de covid-19 e teve pela última vez a inauguração marcada para 10 de Junho, estando os museus públicos (re)abertos desde 18 de Maio. O que aconteceu?

Explicou a sua directora, Emília Ferreira, que, apesar de vários pedidos à tutela (a DGPC), faltou dinheiro para os textos de parede e as legendas que permitem ao visitante enquadrar a arte que lhe é dada a ver e, sobretudo, para a substituição dos projectores e calhas de iluminação de duas das salas, que caíram do tecto a uma semana da abertura. Material com mais de vinte anos cuja necessidade de renovação estava há muito identificada pela direcção do museu junto dos responsáveis do Património.

Com a exposição praticamente pronta mas fechada aos visitantes, o MNAC esteve mais de dois meses com metade do museu encerrado, sem nunca ter deixado de cobrar o bilhete por inteiro. E sem que a direcção do museu recebesse informação de que estava prestes a ver resolvido o problema. Ora, passado menos de um dia da publicação da notícia dando conta do impasse no Chiado, a subdirectora-geral do património, Fátima Marques Pereira, com experiência na área da arte contemporânea, contactou a directora do museu para dizer que, afinal, já estavam reunidas as condições para que a exposição fosse inaugurada… daqui a um mês.

A DGPC, que o PÚBLICO contactara a 25 de Agosto com várias perguntas, recebendo em resposta dois parágrafos vagos a responsabilizar a pandemia de covid-19 pela perda de receita e os necessários ajustes na programação, e evocando os “procedimentos de contratação pública” para explicar o porquê na demora de autorização de despesa que permitiria abrir Dissonâncias, fez saber esta quinta-feira à tarde, através da Lusa, que a inauguração, “por acordo com a directora”, está marcada para 30 de Setembro.

Se o timing da resolução do problema deixa dúvidas sobre o que teria acontecido se a situação caricata desta exposição no Chiado não tivesse chegado a público, mais dúvidas deixa o silêncio público da tutela sobre as preocupações expressas pela directora quanto aos desafios de conservação das obras em papel instaladas nas galerias à espera da inauguração há mais de dois meses.

Recorde-se que Emília Ferreira disse ao PÚBLICO que Dissonâncias não iria abrir porque as conservadoras do MNAC responsáveis pelas colecções de desenho e fotografia consideravam que algumas das obras precisavam de regressar às reservas por já estarem sujeitas a humidades e temperaturas que não são as ideais há mais de dois meses. E retirando-se essas obras, teria de mudar o discurso e, logo, a exposição.

Recebidas as garantias da DGPC na tarde de 26 de Agosto de que haverá dinheiro para a exposição ser inaugurada dentro de um mês, a directora diz agora que esta abrirá, mas que não sabe ainda se terá de apear alguns desenhos e fotografias das paredes. “As questões apontadas quanto à conservação preventiva irão ser ponderadas com as conservadoras de modo a acautelar a segurança e integridade física das obras.”

E durante os próximos 30 dias em que ninguém as verá, onde ficarão as obras em papel? Continuarão nas galerias de um museu que tem grandes variações de temperatura e humidade porque o ar condicionado está avariado há anos (problema crónico de vários museus públicos, aliás)? Ou regressarão às reservas ali mesmo no Chiado (o desenho) e no Forte de Sacavém (a fotografia)? E quanto tempo de duração terá agora esta exposição?

Emília Ferreira responde à última pergunta: “Salvo avaliação em contrário, estimamos que a exposição poderá ficar patente durante um mês e meio.” Quando em circunstâncias normais, tendo em conta a duração habitual das exposições do MNAC, teria ficado facilmente o dobro.

O material de iluminação que é preciso substituir para que as salas em causa possam receber Dissonâncias e qualquer outra exposição custa, segundo a directora, seis mil euros. Uma despesa que Emília Ferreira poderia ter autorizado, eventualmente, ao abrigo do regime jurídico de autonomia de gestão de museus e monumentos que o anterior Governo, com a mesma ministra da Cultura que o actual, aprovou há 17 meses, mas cujos efeitos, na realidade, tardam a fazer-se sentir no dia-a-dia das instituições. Dezassete meses que parecem ainda mais longos se tivermos em conta que Graça Fonseca lhe deu um prazo de validade de dois anos.

É verdade que a pandemia de covid-19 veio complicar as contas já de si complicadas, apertar os orçamentos já de si apertados. Mas também é verdade que situações semelhantes à que hoje se vive no Museu Nacional de Arte Contemporânea não são de agora. Hoje é no do Chiado, amanhã pode ser noutro.

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