Marcelo pede “sensatez” aos democratas para evitar “radicalização da vida política”

Presidente da República adverte que “campanhas e escaladas” de acções da extrema-direita têm sido usadas noutros países para “atacar a democracia”. Noutro plano, o chefe de Estado criticou com dureza quem diz haver debates a mais.

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Nuno Ferreira Santos

Tolerância zero nos princípios, mas sensatez nas acções: são os conselhos do Presidente da República aos “democratas” face aos acontecimentos recentes conotados com a extrema-direita, como a manifestação tipo Ku Klux Klan à frente da sede do SOS-Racismo e as ameaças feitas a dez personalidades, entre as quais três deputadas.

“É preciso estar atento às campanhas e escaladas que é fácil fazer na sociedade portuguesa” e “perceber como é que a instrumentalização desses temas tem sido usada noutros países para radicalizar a vida política, promover fenómenos anti-sistémicos e fragilizar a democracia”, disse Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas.

Dirigindo-se a todos os “democratas”, o chefe de Estado instou-os a serem, por isso, “muito firmes nos seus princípios, com tolerância zero” face a episódios que podem ter contornos criminais, mas também “sensatos” na reacção.

O Presidente da República sublinha que a Constituição e o direito penal são “muito claros no combate ao racismo” e frisa que o Ministério Público já está a investigar os últimos acontecimentos.

O facto de as ameaças terem chegado directa e inequivocamente a titulares de órgãos de soberania fez com que o fenómeno ganhasse notoriedade, mas Marcelo recorda que, perante a lei, “não há cidadãos de primeira ou de segunda”. “É tão condenável uma manifestação racista com contornos criminais contra deputados como contra outro cidadão”, sublinhou, referindo-se ao princípio da igualdade consagrado na Constituição.

Esta é a terceira intervenção nesta semana em que Marcelo Rebelo de Sousa refere a necessidade de defender a democracia. As outras duas tiveram como alvo a Assembleia da República, à qual o Presidente da República devolveu dois diplomas sem promulgação para que sejam reavaliados: aquele que reduzia o número de debates sobre a construção europeia e o que elevou de quatro mil para 10 mil o número mínimo de assinaturas para que uma petição dos cidadãos seja debatida em plenário.

“Num tempo já complexo para a reforma e a actualização dos partidos políticos e de aparecimento de fenómenos inorgânicos sociais e políticos de tropismo anti-sistémico, tudo o que seja revelar desconforto perante a participação dos cidadãos não ajuda, ou melhor, desajuda a fortalecer a democracia”, escreveu Marcelo na carta dirigida ao presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, com o veto sobre a lei das petições.

Nesta quinta-feira, questionado especificamente sobre se teria vetado o fim dos debates quinzenais com o primeiro-ministro no Parlamento, o Presidente da República começou por ressalvar que está aí em causa o regimento da Assembleia da República que, por não ser uma lei, é um diploma que não passa sequer por Belém. Mas reiterou o que comentou na altura: que em 2015, como candidato presidencial, fez debates com todos os adversários e pretende fazer o mesmo “se avançar para uma candidatura – coisa que não está decidida”. “Será o meu comportamento como candidato: ‘Debates? Todos’”, sintetizou.

Mas desta vez foi muito duro com PSD e PS que acordaram a passagem dos debates quinzenais do primeiro-ministro no Parlamento a bimensais, na prática. “Eu ouvi já não sei quem dizer que ‘fazer debates para preencher calendário já não faz sentido’. Faz sentido fazer debates para preencher calendário, porque é isso a democracia”, corrigiu.

“Quando a senhora Merkel vai ao Bundestag antes de todos os conselhos europeus, explicar a posição do Governo alemão, com números, dizer até onde o Governo vai ou não vai, está a cumprir calendário, mas também a fazer democracia. É evidente que é mais cómodo, de vez em quando, não fazer tantos debates, para ter mais tempo livre para decidir, para ir, para poder viajar, poder visitar, para poder ponderar, mas os debates cumprem uma função essencial. Quando as instituições começam a fechar-se, porque acham que há debates a mais, há qualquer coisa que não é boa para a democracia e os democratas são os primeiros a perceber”, avisou.

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