Marcelo veta lei das petições por ser “sinal negativo para a democracia portuguesa”
Presidente da República critica diploma que elevava de quatro para dez mil o número de assinaturas necessárias para que uma petição fosse debatida em plenário.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vetou esta quarta-feira, “por imperativo de consciência cívica”, a alteração do exercício do direito de petição, considerando que se trata de um “sinal negativo para a democracia portuguesa”. O diploma em causa elevava de quatro mil para 10 mil o número de assinaturas necessárias para que uma petição fosse debatida em plenário, relegando as restantes para as comissões parlamentares.
“Num tempo já complexo para a reforma e a actualização dos partidos políticos e de aparecimento de fenómenos inorgânicos sociais e políticos de tropismo anti-sistémico, tudo o que seja revelar desconforto perante a participação dos cidadãos não ajuda, ou melhor, desajuda a fortalecer a democracia”, escreve Marcelo Rebelo de Sousa na carta ao presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, com a devolução do diploma sem promulgação.
O chefe de Estado dirige-se a Ferro Rodrigues dizendo: “Com o devido respeito, afigura-se-me que o passo dado representa um sinal negativo para a democracia portuguesa [, porque] pode ser visto como um sinal de fechamento na Assembleia da República, na participação dos cidadãos e na vitalidade da própria democracia.”
Sobre os argumentos de que a alteração da lei se justificava com “a racionalização do trabalho parlamentar, a maior facilidade da obtenção de assinaturas nesta era digital e o excesso de petições que pode afectar a lógica do sistema de governo instituído”, Marcelo responde com números: “O número de petições desceu em 2018 e 2019, relativamente a 2017 – portanto, não é válida a justificação do trabalho parlamentar.”
“Aliás, bem pelo contrário, esta era de sociedade de informação, com maior acesso dos cidadãos através da Internet e das redes sociais, aconselha o desenvolvimento da democracia participativa a par da representativa, permitindo maior ligação entre representantes eleitos e representados”, sustenta o Presidente da República.
No final da mensagem, afirma que o veto deriva de “imperativo ético” e solicita ao Parlamento “que pondere se deve dar o passo proposto, e, a dá-lo, se o não deve mitigar nos seus contornos”.
Mais um tiro no barco “laranja”
Na segunda-feira, Marcelo devolveu outros dois diplomas ao Parlamento sem promulgação – a lei do mar e a relativa aos debates sobre a construção europeia –, considerando sobre esta última que “a solução encontrada se não afigura feliz”. O decreto reduzia de pelo menos seis para dois o número de debates por ano no plenário sobre temas europeus que antecedem as reuniões do Conselho Europeu e que servem para o primeiro-ministro ouvir a opinião dos partidos.
“Não se afigura feliz na percepção pública, porque dois debates não são seis ou mais, porque comissão parlamentar não é plenário, porque a prática tem revelado que a velocidade dos acontecimentos ultrapassa sempre – e não apenas em circunstâncias excepcionais – a visão simplificadora de que um debate semestral é suficiente para abarcar uma presidência, e porque a leitura mais óbvia do ora proposto é a da desvalorização dos temas europeus e do papel da Assembleia da República perante eles”, escreveu.
Tanto a lei das petições como a que reduzia os debates sobre Europa a dois por ano foram da iniciativa do PSD, no âmbito de um pacote negociado com o PS em que se procedeu também à alteração ao Regimento da Assembleia da República para acabar com os debates quinzenais e permitir que o primeiro-ministro só responda aos deputados de dois em dois meses. Porém, o processo de alteração do regimento não precisa de promulgação e, por isso, o Presidente não se pronunciou sobre ele.
Os três diplomas geraram mal-estar nas duas bancadas. A proposta original dos sociais-democratas para a lei das petições ia até mais longe, apontando para um mínimo de 15 mil as assinaturas necessárias para a fazer subir a plenário.
Com estes vetos, Marcelo marca uma posição política de distanciamento dos dois maiores partidos, aqueles com que, no final, contará na recandidatura a Belém.