O fascínio da Cartuxa de Évora abre-se a visitas pela primeira vez
Foi durante séculos um local de silêncio e clausura e nos últimos 60 anos recuperou essa aura quase mística. Agora, sem monges, a Cartuxa de Évora abre-se para um ciclo de visitas guiadas gratuitas. Até 19 de Setembro, com marcação prévia.
Em Évora, o Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli sempre exerceu um “enorme fascínio”. Por um lado, pelo “encerramento e isolamento em que os monges viviam” – “a proibição alimenta o imaginário”; por outro, pelo “exemplo de vida dos monges” – “a regra tão rígida alimenta a curiosidade”.
Quem o diz é Luís Ferro, arquitecto e ele próprio “um alvo” desse fascínio que o levou a escrever uma obra sobre o mosteiro (O eremitério da Cartuxa de Évora: arquitectura e vida monástica, da editora Canto Redondo) e que agora será o anfitrião de visitas guiadas (e gratuitas) pela também chamada Cartuxa de Évora, promovidas pela Fundação Eugénio de Almeida, a proprietária do espaço.
“O Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli faz parte do imaginário da cidade de Évora. A esfera de misticismo que envolve este espaço desperta a curiosidade do público. Por esta razão, a fundação abre as portas a este lugar, dando a conhecer a sua herança histórica e cultural, através da descoberta dos rituais, dos hábitos e dos exercícios espirituais que pontuaram o quotidiano da vida dos monges que o habitaram”, afirma Maria do Céu Ramos, da fundação.
“Na ausência de monges e através da arquitectura, a ideia é dar sinais, pistas do modo como estes viviam seguindo a regra de São Bruno”, explica Luís Ferro, que durante alguns anos conviveu com a comunidade – graças à investigação que fez para o livro e que foi muito bem acolhida pelo prior, o padre Antão – que apenas deixou a cartuxa em Outubro de 2019. No final, restavam apenas quatro monges, conta, outros já haviam partido, num processo que se arrastou ao longo de três décadas. “Nunca tive um diálogo-chave com eles”, recorda, “mas criei laços muito fortes. Guardo com muito carinho a memória deles. Transmitiam uma enorme calma, estar perante eles era quase uma suspensão do tempo e das preocupações da vida”.
“No mosteiro, ainda há energia da presença deles [monges], nos ambientes, nos corredores e celas vazios. Como se fosse um projecto incompleto”, nota Luís Ferro que segmentou a visita em vária etapas, que passam pelos “pontos mais importantes do mosteiro que estruturavam a vida cartusiana”.
Na portaria, os visitantes têm uma síntese, “muito rápida”, da Ordem da Cartuxa e do próprio mosteiro, para “enquadrar o edifício” que vão visitar. No interior, a visita começa pelo claustro pequeno, o centro “da vida comemorativa dos monges”, onde se dispõem a sala do capítulo, o refeitório e a igreja, e vai até ao eremitério, o núcleo “mais singular e importante da arquitectura cartusiana” (e também “o maior” – aqui, um quadrado de 78 por 78 metros), uma galeria de celas individuais onde os pormenores ecoam o rigor da vida contemplativa dos monges cartuxos. “percebi, na primeira visita, que o espaço das celas desperta grande curiosidade”, nota Luís Ferro, talvez, aventa, “porque está mais ligado à própria vida dos monges como homens, em isolamento e silêncio”.
Era nas celas que viviam os “padres”, que vestem de branco, diferenciando-se assim dos irmãos conversos, que vestem de cinzento - todos fazem os mesmos votos de silêncio e isolamento, mas, simplifica Luís Ferro, os primeiros “são contemplativos” e os segundos “activos”. Se estes cumprem “tarefas mais específicas” dentro da comunidade – de porteiros a cozinheiros, passando pelo trabalho manual e agrícola, “as rotinas diárias estipuladas pelos estatutos cartusianos” –, os “padres de branco” só saem três vezes por dia, para as “matinas, laudes e vésperas” (os principais ofícios litúrgicos, que dão “ritmo” ao dia), excepto ao domingo, onde fazem a rotina diária em comunidade, que incluía, inclusive saídas para passeios nos campos.
O Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli, que tem como vizinho o Aqueduto da Água da Prata, foi o primeiro a ser fundado pela Ordem dos Cartuxos em Portugal, em 1587. Em 1834, com a extinção das ordens religiosas no país, os monges foram obrigados a partir – só regressariam em 1960, com o consentimento do arcebispo de Évora e por convite do proprietário, Vasco Eugénio de Almeida (que criou a Fundação Eugénio de Almeida), que restaurara o mosteiro adquirido pela família em 1869.
No interregno das suas funções religiosas, o espaço funcionou como Hospício de Donzelas Pobres de Évora, Escola Agrícola Regional e centro de lavoura da Casa Agrícola Eugénio de Almeida. E enquanto espera a instalação da das irmãs do Instituto das Servidoras do Senhor e da Virgem de Matará – o ramo feminino da Família Religiosa do Verbo Encarnado – a Fundação Eugénio de Almeida decidiu abrir as portas deste espaço de reclusão, contemplação e silêncio.
A resposta foi de tal modo massiva que as datas inicialmente agendadas para este ciclo de visitas esgotaram e a Fundação Eugénio de Almeida acrescentou mais oito datas às cinco originais. Até 19 de Setembro, todos os sábados e domingos, as visitas fazem-se às 8h (excepto a 5 e 19 de Setembro, quando será às 19h) e é necessária marcação prévia: todas as semanas, à quarta-feira, no site da fundação, será disponibilizado um formulário de inscrição para o fim-de-semana seguinte.
“Calculava que haveria enorme procura porque conhecia mais ou menos a ansiedade para estas visitas mas não pensei que esgotassem”, assume Luís Ferro. Contudo, são muitos os que querem ter um relance do que foi a vida de “longa espera”, como lhe chama, dos monges cartusianos de Évora.