Tiros no pé
O que se passou com o ventilador Atena é mais um exemplo dos anacronismos de um País que ainda procura os caminhos para ganhar o futuro.
Nos últimos dias foram veiculadas notícias sobre a aprovação da utilização do ventilador invasivo Atena que são reveladoras dos anacronismos de um País que ainda procura os caminhos para ganhar o futuro. É bom não esquecer que este projeto nasceu num contexto nunca visto: enquanto a Europa estava confrontada com a incapacidade de salvar vidas por falta de equipamento básico de emergência, as potências mundiais acotovelavam-se no açambarcamento e desvio de encomendas de países aliados.
O Portugal de hoje evidencia exemplos notáveis de inovação, utilizada com sucesso por empresas nacionais ou multinacionais. No entanto, as agências de avaliação, especialmente as que têm por missão gerir apoios públicos à inovação, não acompanharam esse salto, levando a situações caricatas de morosidade processual e, mesmo, de recusa de projetos de grande valia. As causas vão desde a bem conhecida e disseminada inveja, ao desconhecimento das opções tecnológicas em causa, incluindo a manifesta inadequação de procedimentos utilizados. Estas debilidades são amplificadas por uma mistura destrutiva entre incompetência e desresponsabilização que, sobretudo em procedimentos novos ou projetos de maior dimensão e visibilidade, leva à incapacidade de tomada de decisão em tempo oportuno.
Algo está muito errado na forma como são selecionados os peritos para o efeito, como o seu trabalho é realizado e como a opinião desses supostos especialistas é incorporada na decisão final dessas agências.
Tenho acompanhado processos de I&D nas várias instituições em que exerço atividade. Para além de ser frequente que as respetivas avaliações demorem mais de um ano, o que em contexto de I&D empresarial significa a perda de vantagens competitivas, são comuns as afirmações estapafúrdias e descontextualizadas por parte de peritos. Para citar alguns exemplos: um projeto avaliado negativamente que dois meses depois obtêm um prémio na famosa feira de eletrónica de Las Vegas; um projeto reprovado por a empresa líder, apesar de fornecer há décadas os principais fabricantes mundiais de automóveis, ser considerada incapaz de coordenar I&D nessa área por na sua designação comercial existir a palavra “têxtil”; ou até mesmo um projeto em que é questionada a capacidade dos seus recursos humanos por um engenheiro aeronáutico ser responsável pelo desenvolvimento de um dispositivo autónomo para monitorização marinha.
De referir que situação diversa ocorre na avaliação científica, onde a FCT consolidou uma prática baseada em peritos internacionais, pelo que o seu leque de escolha de personalidades competentes e independentes é muito maior.
Infelizmente, o Atena é, apenas, mais um exemplo de que algo está mal. Foi desenvolvido por uma equipa alargada de engenheiros e clínicos, acompanhados por docentes universitários. Foi testado em animais por médicos de várias especialidades, tendo obtido avaliações extremamente positivas. Os peritos que o Infarmed reuniu para a sua avaliação pronunciaram-se sobre este equipamento sem nunca o terem visto. Esses peritos foram selecionados com base nas áreas de especialidade relevantes para um projeto deste tipo, mas nenhum terá experiência no desenvolvimento de ventiladores invasivos. Aliás, um dos membros desse painel tem vindo a avaliar projetos numa grande diversidade de áreas e, reiteradamente, a fazer considerações descabidas e reveladoras de grande desconhecimento das situações em causa.
As agências têm de fazer avaliações fundamentadas com base em parecer de especialistas, mas importa garantir que não ficam reféns das suas próprias teias… e que não continuamos a dar tiros no pé.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico