Cinco medidas-base para atacar a precariedade na Cultura: caderno reivindicativo chega esta semana à ministra
Cena-STE, Plateia e Associação Portuguesa de Realizadores concertaram um conjunto de propostas que na sexta-feira entregarão a Graça Fonseca. Contratos de trabalho, protecção social e subsídio de desemprego são prioritários, consideram as três estruturas representativas.
“O resultado da ausência de um sistema de protecção social real para os trabalhadores sujeitos à intermitência do trabalho é a precariedade. A pandemia tornou essa precariedade mais visível porque a grande maioria dos trabalhadores da cultura ficou sem protecção social e dependente de uma série de apoios extraordinários que nem todos conseguiram obter.” Este é o primeiro parágrafo do documento com propostas para a criação do estatuto do profissional da cultura que na sexta-feira, dia 31, o sindicato Cena-STE, a Plateia – Profissionais Artes Cénicas e a Associação Portuguesa de Realizadores (APR) entregarão à ministra da Cultura, Graça Fonseca – que antes disso, e já esta tarde, receberá o Cena-STE no Palácio Nacional da Ajuda, no âmbito da apresentação das linhas de apoio excepcionais contidas no Programa de Estabilização Económica e Social. O documento, a que o PÚBLICO teve acesso, contempla cinco pontos cuja implementação aquelas entidades representativas consideram essencial para assegurar a protecção dos trabalhadores das artes e fazer frente às fragilidades laborais do sector.
Logo à cabeça, o documento defende a regularização dos vínculos laborais do profissional da cultura. “O actual recibo verde não nos defende nem nos protege no contexto de grande insegurança da nossa realidade laboral”, expõem as três entidades, argumentando que aquela modalidade de relação “surge de forma fraudulenta como modo de evitar um contrato com mais encargos sociais para a entidade empregadora”. O Cena-STE, a Plateia e a APR apelam por isso à substituição do generalizado recibo verde por contratos de que constem “o tempo de trabalho, a remuneração, os encargos sociais do empregador e os do empregado”.
A necessidade de protecção social é o segundo ponto deste caderno reivindicativo, segundo o qual o regime dos trabalhadores independentes que abrange os profissionais pagos “através de falsos recibos verdes” não responde às suas “necessidades reais”. “Não podemos deixar de ter um efectivo acesso à protecção social em todas as situações só porque a natureza do nosso trabalho é diferente”, frisam os autores do documento.
Em terceiro lugar, os signatários propõem que a descontinuidade do emprego, quando acontece, tem de ser devidamente comunicada e formalizada pelos empregadores para que os trabalhadores possam continuar a obter rendimentos através do subsídio de desemprego. “O regime geral da segurança social foi pensado para responder a situações em que os rendimentos são relativamente constantes e é ineficaz na protecção das situações em que os rendimentos resultam de um trabalho desempenhado de uma forma intermitente”, assinalam.
O quarto ponto versa sobre a protecção laboral dos trabalhadores das artes que desempenham “funções permanentes e de forma dependente para a mesma entidade”. O Cena-STE, a Plateia e a APR salientam que os contratos sem termo devem substituir os contratos de curta duração e as “falsas prestações externas de serviços” e alegam ainda que “o Estado deveria ser o primeiro a dar o exemplo, integrando os trabalhadores precários das entidades públicas e garantindo que, na atribuição de apoios públicos para a cultura, as estruturas independentes apoiadas prevejam sempre nos seus orçamentos os encargos sociais dos trabalhadores que integram as respectivas equipas”. O Estado, recomenda ainda o documento, deve igualmente “realizar uma efectiva e sistemática fiscalização das relações laborais” no sector das artes, “prevendo formação especializada para a Autoridade para as Condições do Trabalho”.
Por último, as três entidades que na sexta-feira se reunirão com a ministra no âmbito do recentemente criado grupo de trabalho que está a estudar o estatuto profissional do trabalhador cultural defendem uma política cultural com “mais investimento público e um reforço do financiamento às obras, actividades e estruturas independentes”. “Com uma política cultural que defenda os seus trabalhadores, as entidades do sector terão inevitavelmente aumentos nos seus encargos. A resposta necessária a esta melhoria é o reforço dos orçamentos das várias actividades co-financiadas pelo Estado, para que as entidades sobrevivam e para que haja uma continuidade na criação artística. Não queremos nem menos nem pior produção artística”, escrevem.
O documento concertado entre o Cena-STE, a Plateia e a APR chegará às mãos de Graça Fonseca no final de uma semana em que, questionada sobre a carência alimentar dos profissionais do sector após o anúncio de um reforço do orçamento anual para a aquisição de obras de arte para a Colecção de Arte Contemporânea do Estado, a ministra da Cultura fez um comentário que deu polémica nas redes sociais. “Hoje só falo de arte contemporânea. Muito obrigada e vamos beber o drink de fim de tarde”, disse na segunda-feira, no Museu Nacional de Arte Antiga, aos jornalistas que lhe pediram um comentário sobre a iniciativa da União Audiovisual, um grupo informal criado durante a pandemia para ajudar os trabalhadores das artes e que neste momento estará a apoiar, em todo o país, entre 150 e 160 pessoas por semana.