O fim do futebol, o princípio do desporto
Confessemos: em Portugal não há notícias, há futebol e uma imensa quantidade de areia para os olhos adormecidos e torpes de uma população alheada.
Creio falar em nome de todas as portuguesas e portugueses ao afirmar a peremptoriedade do fim dos telejornais 20 minutos após o seu começo, quiçá meia hora, para dar lugar ao futebol, não só o nacional mas todo o futebol internacional, seguido de entrevistas a treinadores, jogadores de futebol e mil e um comentadores em estúdio ou em directo.
Confessemos: em Portugal não há notícias, há futebol e uma imensa quantidade de areia para os olhos adormecidos e torpes de uma população alheada.
Alheados do país, da cultura, do ensino, da saúde, dos seus direitos, do futuro e da vida enquanto as televisões insistirem em debitar toneladas de futebol entre antevisões de jornada, jornadas, comentários à jornada e a antevisão da antevisão da jornada seguinte, mais a Taça se Portugal, a Taça da Liga, os Campeões, a Liga Europa, o Europeu e o Campeonato do Mundo.
Assim, naturalmente, congratulamos as recentes decisões da SIC Notícias e TVI em acabar com os programas de futebol com comentadores que representam clubes.
Inevitavelmente, partilho o exemplo inglês, um país preenchido de futebol de norte a sul e onde os principais canais de notícias não dedicam senão cinco minutos ocasionais ao futebol, sem comentários, sem entrevistas, muitas vezes sem golos ou imagens do jogo, somente o pivot diante da câmara a relatar as notícias.
O resto do tempo de antena? É dedicado às outras modalidades, do atletismo à ginástica, do râguebi ao críquete (desporto ainda incompreensível aos olhos deste narrador), sem esquecer o desporto automóvel, o ciclismo, o basquetebol, andebol, vólei, tratando o desporto feminino e masculino por igual e celebrando as conquistas de todos os atletas nacionais, no sentido da promoção do desporto como elemento essencial da cultura de um país.
Se em Inglaterra pretendemos ver um programa de futebol e respectivos comentários, estes estão abundantemente presentes nos canais pagos. Cabe assim ao espectador decidir o que quer ver em função de quanto pretende gastar, mas sempre com a premissa de não ser inundado pelas ilusões do futebol 24 horas por dia, 365 dias por ano.
Infelizmente, ainda não vi iguais notícias da parte da RTP. Pretenderá a RTP tomar uma atitude mais conservadora, mas igualmente aproveitadora desta oportunidade, mantendo-se como o único canal com comentadores que representam clubes?
Ou quererá a RTP aceitar o desafio de dar um passo em frente e, verdadeiramente, democratizar o desporto? Mas o mundo é feito de pequenas conquistas. Enquanto a RTP não se decide, temos o dia ganho e um pouco mais de esperança num futuro onde no céu não habitam apenas as constelações de jogadores de futebol mas todos nós, desportistas e amantes do desporto por igual.