Os amigos que eu amo

A amizade é aquela cena íntegra, sem juízo de valores, e com humor, respeito e admiração e pela diferença.

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Kelsey Chance/Unsplash

Durante muito tempo, e desde a adolescência, assumi a minha condição de amiga desnaturada. Tenho melhorado ao longo do tempo, fiquei mais dedicada e presente. Mas na adolescência, enquanto os meus amigos andavam em pares ou em grupos (de que eu também fazia parte, claro), eu não andava sempre acompanhada. Sempre fui muito independente. Tanto alinhava em programas com os amigos, como me baldava às aulas para ir ao cinema sozinha.

Gostava genuinamente de andar sozinha, e ainda gosto. Vou para todo o lado só com a minha chatíssima presença. A companhia é invisível para mim, e eu gosto disso — jantar fora, ir ao teatro, ir à praia, até já fui de férias sozinha. Contudo, nos últimos anos, comecei a olhar para os amigos de forma diferente, a sentir e a perceber algo que já tinha ouvido muitas vezes, mas a que não tinha dado importância: talvez a amizade seja a relação mais duradoura e importante que uma pessoa pode ter na vida. Mais valiosa do que o amor. Porque a amizade também contém amor, mas sem as recorrentes chatices do amor amoroso.

A amizade é aquela cena íntegra, sem juízo de valores, e com humor, respeito e admiração e pela diferença. Mesmo que às vezes nos zanguemos com um amigo, aquilo passa logo, logo, tem a duração de um amuo no recreio da infância. Nem sempre, mas quase sempre. Também há chatices a sério e definitivas, embora raras.

Adoro os meus amigos. Sinceramente. São poucos, mas acompanhamo-nos há várias décadas. Nos últimos tempos, fiz mais um ou dois e fiquei mesmo feliz. Com eles, os mais antigos e os mais recentes, vivo e aprendo tantas coisas importantes — quanto valem um abraço, um telefonema no momento certo, uma palavra de conforto, um silêncio punidor quando se esteve menos bem, uma proibição fingida de algo que sabem que nos vai fazer mal. Gosto tanto deles, de cada um de forma diferente, e tenho sempre a sensação de que não lhes dou a atenção devida.

E também já perdi amigos. Custa muito, sobretudo se estes não morreram de verdade. Talvez custe mais do que perder um amor. Perder um amigo é, de certa forma, perder a imaculabilidade do bibe. Perder ou ter de deixar um amigo que considerámos incondicional é um desgosto inultrapassável. Aconteceu-me recentemente ter de deixar amigos para trás; afinal, a nossa amizade não era para a vida, ou a vida muda e eu, aos quarenta e dois, ainda não sabia. Mesmo que a decisão de deixar um amigo seja nossa, é necessário fazer um luto, por respeito a tudo o que vivemos. Mesmo que o motivo pelo qual nos desentendemos tenha sido o amigo não nos ter tratado com o respeito devido. Não lhe desejamos mal, apenas seguimos caminhos diferentes.

Por isso, há que cuidar dos amigos que temos, mantê-los como roupa lavada sobre o corpo e sermos também uma peça quente para os agasalhar quando é preciso. A palavra é cuidar. Cuidar dos amigos se, de facto, os amamos. Eu amo os meus.

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