Amores de Inverno

O amor de Verão talvez seja mais fácil, pela rapidez, pela desinibição, pela cor. O amor de Inverno deixa a céu aberto uma timidez espontânea.

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Brigitte Tohm/Unsplash

No discurso corriqueiro das pessoas e dos contadores de histórias, os amores de Verão prevalecem. São fio condutor dos romances adaptados, são o eixo e trama. Os amores de Verão são palco e plano principal. Será o Verão mais propício?

Estamos habituados à conversa do “conheci-a no Verão do ano tal, tínhamos amigos em comum, eram jantares, eram idas à praia, passeios pela marginal e a coisa deu-se”. Noites quentes e o corpo salgado faziam parte dos ingredientes de um amor de Verão. Doutores e especialistas queriam separar o amor da paixão e deixar de lado a adolescência ingénua. Mas esta realidade atravessou as gerações. A partilha dos gelados, a conversa até o Sol se pôr ou nascer, os abraços de Agosto e os nós na garganta de Setembro. 

E, de repente, fomo-nos esquecendo dos meses da outra estação. Os encontros onde se tremia de nervosismo e de frio, a pressa para entrar num espaço quente, a vontade de demorar no calor. O amor de Verão é irreverente e rebelde, já um amor de Inverno, embora ousado, traz um conforto inesperado e muitas vezes traiçoeiro. Há quem afirme com clareza que há gente que vai ao engano no Inverno, expondo a fragilidade daqueles que não suportam a cama vazia nos meses da chuva. 

Os amores de Inverno são diferentes, os programas são diferentes, a conversa é diferente, o feitiço e o desejo são outros. Elas, muitas vezes, acham-se menos atraentes, seja porque o bronze de outros dias é agora mera memória, ou porque andar com muita roupa torna a coisa mais indiferente ou distante, não fazendo elas ideia que nada há de mais sedutor que o olhar aguado do frio e o nariz vermelho que contrasta a pele branca numa manhã de Inverno. Nada nos desarma mais do que a forma frágil e cautelosa como ela segura a chávena ou como volta atrás para trazer mais um par de luvas. 

O amor de Verão não segue o relógio, não se preocupa com os horários. O amor de Inverno conta os segundos. ​O amor de Verão talvez seja mais fácil, pela rapidez, pela desinibição, pela cor. O amor de Inverno deixa a céu aberto uma timidez espontânea.

Nem que seja pelo Sol que nos bate na cara. Quando no Verão é mais um dia, no Inverno é uma manhã que se salva. 

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