Instalações da Rádio Capital, crítica do regime guineense, atacadas e destruídas

Um grupo de homens armados “vandalizou e destruiu por completo todos os materiais que garantem o funcionamento” da rádio, que fica obrigada a sair do ar, pelo menos por alguns dias.

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O material da rádio Capital foi destruído, de computadores a microfones DR-LGDH

As instalações e os equipamentos de emissão da Rádio Capital FM, crítica ao regime na Guiné-Bissau, foram vandalizados neste domingo.

Segundo a Liga Guineense dos Direitos Humanos, na sua página no Facebook, o ataque aconteceu às primeira horas da madrugada, em Bissau. Um grupo de homens armados “vandalizou e destruiu por completo todos os materiais que garantem o funcionamento” da rádio – servidor central, computadores, microfones e outro material.

Tratou-se, diz a LGDH, de “um ataque à liberdade de imprensa”. Prossegue: “Este acto cobarde não passa da concretização das sucessivas ameaças anónimas que os profissionais desta estação emissora vinham recebendo de indivíduos desconhecidos e mal intencionados, que querem instalar a prepotência e o caos na Guiné-Bissau”.

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Em declarações à agência Lusa, o jornalista Yankuba Danso, apresentador do programa Frequência Activa da Capital FM, disse que a destruição vai tirar a emissora do ar pelo menos durante alguns dias. 

Danso, em cujo programa os ouvintes fazem críticas abertas aos políticos e militares, disse que este ataque concretizou ameaças que vinham a ser feitas desde 2016.

“Finalmente, as ameaças que temos vindo a receber desde 2016 concretizaram-se. Conseguiram silenciar a rádio”, afirmou, acrescentando que já “perdeu a conta” às ameaças que recebe diariamente, através de chamadas telefónicas, mensagens de texto e voz e cartas anónimas sobre a possibilidade de “um dia ser cortado o pio à rádio”.

Sabino Santos, técnico da Capital, falou com a emissora DW-África por telefone: “Ainda estamos na fase de levantamento, mas o que posso dizer agora é que a rádio está totalmente paralisada”.

O ataque pretendeu “silenciar uma voz incómoda e, por conseguinte, cercear o Estado de direito na Guiné-Bissau”, diz num comunicado a LGDH, que considera que “os órgãos de comunicação social constituem a espinha dorsal de uma democracia pluralista, onde a liberdade de expressão e de opinião são consideradas imperiosas para a consolidação da paz e do Estado de direito” e devem ter, à luz da Constituição, “todas as garantias necessárias para o exercício pleno das suas funções de forma independente, livre, isenta e objectiva”. 

A LGDH, que publicou também imagens da destruição nas instalações, exige ao Ministério Público a abertura de um inquérito ao ataque que tirou do ar a Capital FM, criada em 2015 por um grupo de jornalistas chefiados Lassana Cassamáactual correspondente da Voz da América na Guiné-Bissau, diz a Lusa. A rádio, do grupo Capital Media, tem uma filial, a Leste FM, e um jornal online, o Capital News.

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Em declarações à DW, a presidente do Sindicato dos Jornalistas da Guiné-Bissau disse também que a invasão da rádio “é um atentando à liberdade de imprensa e de expressão” no país, ao livre exercício do jornalismo e um “atentado à democracia”.

“Condenamos com veemência e responsabilizamos o Estado da Guiné-Bissau, porque cabe ao Estado garantir a segurança dos profissionais e dos órgãos da comunicação social. Então responsabilizamos o Estado, porque não é a primeira vez. Houve várias ameaças à rádio Capital FM. Houve ameaças públicas, de pessoas a ameaçarem incendiar a rádio, a fazer calar os profissionais da rádio. E hoje estamos perante esta situação”, acusou Indira Baldé, que se mostrou preocupada por os atacantes estarem vestidos como polícias.

Já a 27 de Março o Sindicato denunciara perseguições a jornalistas no país. “É a consumação de um facto de que vínhamos a alertar sobre a orquestração de uma investida neste sentido de ataque e perseguição aos órgãos e profissionais”, afirmou na altura fonte sindical à Lusa, precisamente depois de um ataque à rádio Capital FM, uma das mais ouvidas da Guiné-Bissau, por “pessoas armadas, não identificadas, mas com uniformes militares”.

Numa entrevista à rfi também em Março, Indira Baldé, denunciava ameaças feitas a jornalistas nacionais e estrangeiros, e exigia responsabilidade ao Estado na garantia da segurança destes profissionais. 

“A situação não é nova. Mudou-se apenas o modus operandi”, denunciou na altura a Capital na sua página do Facebook.

Em Fevereiro, Umaro Sissoco Embaló chegou ao poder na Guiné-Bissau, auto-proclamando-se Presidente (seria reconhecido no cargo posteriormente pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).

“Até aqui eram ataques verbais, tentativas de intimidações por via judicial, através de sucessivas notificações e queixas. Mas, hoje, o nosso colega foi alvo de uma agressão física brutal, num país que à partida considera-se estar à deriva com cenários imprevisíveis”, prosseguia a denuncia da rádio. No ataque de Março um jornalista da emissora ficou ferido, Serifo Tawel Camará. “Apareceram e atacaram-me logo à porta da rádio, não sei qual era a intenção dessas pessoas”, contou então à DW-África.

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