Conselho Europeu vacilou na solidariedade
É de lamentar que os Estados-membros financeiramente mais fortes ainda não tivessem compreendido que, se ajudassem a preencher as lacunas no orçamento da UE, estariam, não só a praticar a imperiosa solidariedade europeia, como também a zelar pelos seus próprios interesses económicos.
Após longos e muito tensos cinco dias de negociações, foi aprovada a proposta global apresentada pelo presidente do Conselho Europeu, tendo em vista o plano de relançamento da economia europeia baseado no orçamento para o próximo quinquénio e no Fundo de Recuperação.
Os principais líderes europeus e representantes dos designados países “frugais” vieram cantar vitória. Parece-me que esta satisfação não foi tanto por se terem alcançado os consensos que tardavam, mas por conseguirem fazer baixar o montante das subvenções. Mais uma vez fica demonstrado que é imperioso repensar o futuro da Europa. Na medida em que fui acompanhando o desenrolar das sessões e as respetivas reações aos impasses gerados, sentia que não são tão seguros, como querem fazer-nos querer, os alicerces do regime democrático que ainda predomina na Europa. Digo ainda, por começarem a aparecer sinais de totalitarismos, seja de bases ideológicas ou assentes em arrogâncias políticas sem coerência ética e também por se continuar a permitir que, no espaço europeu, circulem capitais sem quaisquer tributações fiscais. Outra razão é a de ser notória, cada vez mais, a implementação de uma economia de mercado que deixa para trás os países com maiores dificuldades em termos de crescimento económico. A cooperação solidária foi, outra vez, secundarizada.
Aguardemos para saber que condições irá o Banco Central Europeu impor para a amortização das verbas que foram alocadas à subvenção que não será considerada a fundo perdido. Se a dívida que os países mais fragilizados vierem a contrair fizer agravar o déficit dos mesmos, não é legítimo falar-se de Fundo de Recuperação. Parece que Portugal pode vir a beneficiar de 15 mil milhões de euros ou, até, de um pouco mais. É bom, mas, tendo em conta a enorme contração que a nossa economia sofrerá nos próximos meses, poderá não ser suficiente.
As crises sanitária e económica vieram tornar essencial o aumento de recursos financeiros para responder às necessidades sociais e humanitárias, de maneira a que seja eficaz a urgente erradicação da pobreza e a redução das desigualdades, da forma mais sustentável possível.
Antes do início do Conselho Europeu, a Cáritas, em consonância com todas as Cáritas da União Europeia, fez chegar ao nosso Governo, através do ministro dos Negócios Estrangeiros, as suas preocupações. Menciono algumas. O redirecionamento de parte dos fundos destinados a apoiar o sector privado para financiamento direto aos grupos com mais necessidades, i.e., Países Menos Desenvolvidos, mercados locais e grupos mais marginalizados. Isto será crucial para aumentar o peso do financiamento com base em subvenções para autoridades públicas e organizações da sociedade civil no orçamento geral da UE para ações externas.
A covid-19 exacerbou uma situação humanitária já difícil em todo o mundo. O Instrumento de Ajuda Humanitária deve financiar respostas humanitárias que abordem os efeitos diretos e secundários da pandemia da covid-19. A criação de um Fundo de Solidariedade e de Emergência deve garantir um rápido desembolso de fundos para fins humanitários em crises que se venham a acentuar em todo o mundo. Um processo oportuno de princípios e flexível de ajuda humanitária é fundamental para expressar a solidariedade da UE com as pessoas afetadas por crises e desastres naturais.
Como ainda há um longo caminho a percorrer até ao fecho do orçamento para 2021-2027, a Cáritas deseja que sejam tidos em conta, com reforço financeiro adequado, programas bem-sucedidos como o Fundo Social Europeu+ (FSE+) (incluindo o Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas mais Carenciadas, FEAD) e o Erasmus+, que investem diretamente nas pessoas e contribuem para a coesão social.
Embora seja importante investir no combate às mudanças climáticas, cada transformação deve ser equilibrada de maneira socialmente responsável. O financiamento para inclusão social e proteção do clima tem que andar de mãos dadas. A redistribuição dos fundos do FSE+ e do FEDER para um Fundo de Transição Justa poderá, se não forem ainda revistas algumas das medidas, desiquilibrar os montantes de financiamento da luta contra as mudanças climáticas, em detrimento dos pobres e vulneráveis da Europa.
É de lamentar que os Estados-membros financeiramente mais fortes ainda não tivessem compreendido que, se ajudassem a preencher as lacunas no orçamento da UE, estariam, não só a praticar a imperiosa solidariedade europeia, como também a zelar pelos seus próprios interesses económicos.
As experiências do atual período de financiamento demonstraram parcerias muito bem-sucedidas com a sociedade civil e outras partes interessadas, relevantes em todas as etapas da programação e em todos os níveis. Será desejável que essa cooperação se mantenha.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico