O monólogo é o hábito do centrão
A nossa democracia já não anda para a frente, meteu a marcha atrás. PS e PSD uniram-se para esses recuos.
Chegaram ao fim os debates quinzenais, criaram-se obstáculos na apresentação de petições ao Parlamento, levantaram-se dificuldades para a apresentação de candidaturas autárquicas. É este o balanço das mais recentes votações parlamentares. A nossa democracia já não anda para a frente, meteu a marcha atrás. PS e PSD uniram-se para esses recuos.
O tema que fez correr mais tinta foi o fim dos debates quinzenais. Sabemos que Rui Rio acha o Parlamento uma maçada e nunca o escondeu. Em plena campanha eleitoral para as eleições legislativas afirmou não ter “um particular entusiasmo em ser deputado”. Não é o primeiro líder do PSD com essa opinião, Cavaco Silva também achava desprezível aquela casa. Não por acaso, Rio recuperou do passado a frase cavaquista do “deixem-me trabalhar”. Custa-me a perceber porque ainda continua deputado.
Para Rio o poder executivo trabalha, constrói, faz coisas. Por isso o “primeiro-ministro não pode passar a vida em debates”. O resto só atrapalha. Escrutínio, fiscalização, debate e transparência, nada disto lhe toca ao coração, bem pelo contrário. Foge que nem diabo da cruz. Aliás, o mesmo que defendeu para o primeiro-ministro aplicou a si próprio: nunca defendeu as suas ideias em plenário, preferiu fazer comentários à margem, nos corredores, longe do confronto de ideias, fora do contraditório, protegido. Rio não debate, debita. Neste caso, a coerência não traz a salvação, aprofunda o erro.
O relacionamento da direita com o Parlamento teve sempre esta tensão, agudizada pelo que aconteceu em 2015. Foi no Parlamento que chegou a fatura da perda da maioria absoluta de PSD e CDS com a rejeição do governo de Passos e Portas. E foi no Parlamento que se materializou a alternativa que insultavam, a “geringonça”. Esse sentimento era tão profundo que Passos Coelho recusava participar nos debates quinzenais com António Costa. Esse primeiro-ministro era tratado como o usurpador, representante de um governo ilegítimo.
António Costa ganhava cada debate com a direita apenas com a sua presença. Debate após debate o governo persistia, o diabo não chegava e a economia avançava. A indignação da direita transformou-se em desespero e desilusão. O país ficava melhor e a direita cada vez pior.
Nesses dias, os debates quinzenais eram a afirmação da “geringonça”. Confirmavam que as tensões entre os partidos políticos podiam ser positivas para as pessoas e para o país. Mostravam que não era o calor do debate que definia o desfecho das decisões, antes como das várias alternativas podia sair uma síntese de compromisso. Foram fundamentais para a criação de uma nova Lei de Bases da Saúde, para o aumento das pensões ou do Salário Mínimo Nacional e outros avanços.
Não se compreende, portanto, porque o PS estendeu a mão ao PSD no desprezo pelo Parlamento. No caso particular de António Costa, mesmo sabendo das suas posições passadas, foi o Parlamento que lhe deu esse poder, que abriu caminho para chegar a primeiro-ministro. Porquê virar-lhe agora as costas?
O ataque ao direito de petição também não tem justificação. PS e PSD elevaram de 4 mil para 10 mil o número de assinaturas necessárias para que o Parlamento discuta uma petição apresentada. Quando ouvirmos PS e PSD dizerem que é preciso mais cidadania, será uma piada de mau gosto. O que fizeram foi repreender a cidadania, refreá-la, afastar as pessoas das instituições. Pelos vistos, o desdém do centrão também é com as pessoas, as suas reivindicações ou anseios. A Associação Portuguesa para o Consumidor - DECO classificou estas medidas como obstáculos à cidadania, estou plenamente de acordo.
No caso da lei eleitoral para as autarquias, a história repetiu-se. PS e PSD uniram-se para criar regras que dificultam a apresentação de candidaturas de cidadãos, defendendo o monopólio dos partidos e das máquinas partidárias. A democracia assusta quando ameaça o poder instalado.
Ana Catarina Mendes, confrontada com as escolhas da sua bancada parlamentar, disse que se justificavam pela nova composição do Parlamento e, pasme-se, porque o atual primeiro-ministro era do PS. É a política para o umbigo, das vitórias na secretaria, que constrói muros e derruba pontes. A democracia não será amestrada ou, então, não será.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico