Países europeus investigam máscaras com certificação duvidosa. Portugal em silêncio
Investigação em que participou o PÚBLICO revelou que milhões de máscaras chegaram à Europa sem garantia de qualidade válida. Autoridades portuguesas não revelam se, ao contrário de homólogas europeias, estão a analisar o caso.
A investigação jornalística europeia que revelou que uma grande quantidade de máscaras sem garantia de qualidade foi vendida aos sistemas de saúde e entidades públicas já levou à acção das autoridades em pelo menos dois países europeus, a Suécia e a Macedónia do Norte, e teve efeitos noutros estados. Em Portugal, o Ministério da Saúde não revela se vai investigar o caso nem se tomou outras medidas.
O PÚBLICO revelou a 7 de Julho, numa parceria com o consórcio internacional de jornalistas do Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP), que Portugal comprou centenas de milhares de máscaras FFP sem qualidade garantida. Estes equipamentos, adquiridos sem certificação reconhecida pelas entidades competentes, foram vendidos a entidades da administração pública.
A ASAE apreendeu 627 mil máscaras FFP que não davam garantias de qualidade – e esse número pode ser a ponta do icebergue. Desconhece-se quantas máscaras com certificados passados por empresas sem permissão para validar equipamentos de protecção pessoal usados no combate à covid-19 chegaram a ser usados por profissionais de saúde e cidadãos em Portugal.
Por toda a Europa, a necessidade de adquirir milhões de máscaras num curto espaço de tempo levou a que vários países tivessem adquirido estes produtos na mesma condição. Devido às alterações nas regras que garantem a segurança, em muitos destes casos, nem vendedores nem compradores tinham conhecimento de que os supostos certificados não eram validados pelas autoridades europeias.
Em Portugal, o Ministério da Saúde não revela se abriu investigações ao caso. Numa primeira resposta às perguntas do PÚBLICO, o ministério disse apenas que a autoridade responsável pela fiscalização destes equipamentos é a ASAE (que nunca respondeu às perguntas do PÚBLICO, revelando apenas o número de máscaras FFP apreendidas). Questionado se vai abrir uma investigação às compras de máscaras sem certificados de qualidade válidos, o ministério de Marta Temido não respondeu. Entre os compradores destes equipamentos de protecção individual estão hospitais, a Marinha, autarquias e a Direcção-Geral da Saúde (DGS).
“É conhecida a escassez de equipamentos de protecção individual no mercado global, atendendo à situação excepcional que se vive em todo mundo. Para responder às necessidades, foram reforçados os procedimentos para as aquisições”, explica o Ministério da Saúde, garantindo que todas as desconformidades são comunicadas à entidade competente e que os produtos não são distribuídos ou são retirados.
Suécia e Macedónia actuaram prontamente
Na Suécia, as autoridades agiram rapidamente às descobertas da investigação internacional. A Direcção-Geral da Saúde e Segurança Social da Suécia pediu que fossem recolhidas máscaras que foram distribuídas em pelo menos nove hospitais. No total foram retirados de circulação 240 mil equipamentos de protecção individual que tinham falhado dois testes de qualidade.
A mesma rapidez foi vista na Macedónia do Norte: após a publicação deste trabalho, Venko Filipce, o ministro da Saúde do país pediu uma “investigação urgente” às compras de máscaras com certificados duvidosos por parte de entidades públicas.
No Luxemburgo a publicação desta investigação jornalística levou a que pelo menos um hospital privado que estava a usar estas máscaras tenha retirado o produto.
Na Roménia, o vice-presidente da Câmara dos Deputados usou a investigação publicada por este consórcio europeu para apresentar uma queixa às autoridades romenas.
Aquando da publicação da investigação, o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) já tinha aberto uma investigação relacionada com “documentação enganosa ou falsa” em máscaras que estavam a ser vendidas na Europa. O OLAF disse ainda estar a trabalhar com as autoridades alfandegárias e polícias, entre as quais a Europol e a Interpol.
Ministério Público só investiga um caso
Em Maio, quando o PÚBLICO noticiou que a empresa Quilaban tinha vendido três milhões de máscaras ao Ministério da Saúde com um destes certificados duvidosos, a Procuradoria-Geral da República (PGR) anunciou a abertura de um inquérito ao caso.
A PGR diz agora que este continua a ser o único inquérito em curso. “Até ao momento apenas foi localizado o inquérito que corre termos no DIAP de Sintra de que já foi dada nota pública e que respeita a uma factualidade concreta. O mesmo encontra-se em investigação, está em segredo de justiça e não tem arguidos constituídos”, pode ler-se na resposta da PGR ao PÚBLICO.