Árctico
Pyramiden, a “cidade-fantasma” soviética que ficou congelada no tempo
Gustavo Tavares visitou Pyramiden, junto ao Círculo Polar Árctico, e trouxe consigo o retrato fotográfico de uma “cidade-fantasma” da era soviética. Em conversa com o P3, o fotógrafo natural de Aveiro narrou a sua experiência.
Junto ao Pólo Norte jaz o único conjunto de ilhas que permanece habitado a tão extrema latitude. O arquipélago de Svalbard, composto por nove grandes pedaços de terra, pertence à Noruega, mas a mina de carvão de Pyramiden, na ilha Spitsbergen, é território russo desde 1927. No momento da fundação da monocidade de Pyramiden (cidade cuja economia é dominada por uma única indústria ou empresa), o território pertencia à União Soviética — e essa é uma das características mais marcantes das imagens que o fotógrafo português Gustavo Tavares realizou no local, aquando da sua visita, em Agosto de 2018. A estética soviética é omnipresente e, para Gustavo, “fascinante”.
“Pyramiden, que hoje é uma cidade-fantasma, já foi uma cidade modelo de uma sociedade sem classes”, explica o fotógrafo ao P3, em entrevista telefónica. “As condições de vida eram muito boas; havia um centro cultural, um grande auditório, um hospital e a maior piscina coberta de todo o território russo. E nenhum templo, como seria de esperar.” A cidade era praticamente auto-suficiente. “A terra fértil era importada e usada para cultivar verduras e legumes em estufas. Havia criação de porcos, gado e galinhas. Energia eléctrica era produzida a partir do carvão extraído [da mina].” Mas, apesar das excelentes condições de vida na ilha, poucos permaneciam mais do que dois ou três anos seguidos. O isolamento e a dureza do clima determinavam que assim fosse.
À chegada a Pyramiden, o fotógrafo foi quase sempre acompanhado por dois guias russos. “Há duas ou três pessoas a guardar a cidade, durante todo o ano. Mais ninguém. Por isso, quando se quer visitar, é necessário pedir uma autorização especial.” Foi o que fez antes de embarcar a partir da Noruega continental em direcção a Spitsbergen.
Em tempos áureos, após a Segunda Guerra Mundial, Pyramiden chegou a ser casa de um milhar de habitantes – quase todos de origem ucraniana. “De Donetsk”, elucida. O conflito armado que continua a fustigar essa região impediu Gustavo de procurar, no terreno, os ex-residentes, como gostaria de ter feito. “Em vez disso, decidi procurá-los através das redes sociais – nomeadamente da rede ok.ru, uma espécie de Facebook russo.” Com a ajuda do tradutor automático do Google, Gustavo chegou ao contacto com alguns ex-moradores que partilharam consigo fotografias da vida em Pyramiden — fotografias que integram hoje o projecto Pãn? (“paraíso”, em russo), vencedor de uma menção honrosa na categoria Fotografia dos prémios Novos Talentos Fnac 2020.
É, na realidade, a história da mina e da cidade que mais atrai Gustavo. “Fiz bastante pesquisa e fiquei fascinado. Aprendi, por exemplo, que Svalbard, há cerca de 380 milhões de anos, se situava perto do Equador. E que a vegetação luxuriante, tropical, que nela vivia ficou imortalizada na terra sob forma de fóssil. E por isso também virei a minha atenção para o solo, como é visível nas imagens.”
A actividade mineira de Pyramiden cessou algum tempo após a queda do muro de Berlim, já na década de 90, mas o território manteve-se sob o controlo russo. “Sempre foi, para a Rússia, interessante manter o domínio daquele pedaço de terra por questões geoestratégicas e não porque a mina fosse rentável. Nunca foi rentável, na realidade.”
Gustavo tem esperança de poder, um dia, regressar a Pyramiden. “Mas, desta vez, preferia ir na altura do Inverno, de avioneta”, confessa. Gostaria de encontrar um cenário mais austero e de dar mais corpo a este trabalho.