Planos de gestão das Zonas Especiais de Conservação têm “graves insuficiências”, acusa a Zero
Período de discussão pública das primeiras oito propostas de planos de gestão terminou esta sexta-feira. Associação ambientalista diz que documentos têm muitas falhas e exigem que o processo se reinicie quando houver cartografia actualizada
As primeiras oito propostas de planos de gestão das zonas especiais de conservação (ZEC), que estiveram até esta sexta-feira em consulta pública, não convenceram a associação ambientalista Zero, que deixa uma exigência: que se dê um passo atrás e se façam as coisas com calma, porque os documentos actuais estão cheios de “fragilidades” e revelam “graves insuficiências”. Em Março, e após um contencioso com a Comissão Europeia, o Governo português formalizou a classificação de 62 ZEC, num decreto regulamentar que estabelece que os respectivos planos de gestão terão de ser elaborados no prazo de até dois anos. Nada está a ser feito como devia, critica a Zero.
O decreto regulamentar n.º1/2020, de 16 de Março, formalizou algo que Portugal já devia ter feito há vários anos, segundo uma directiva comunitária: a transformação dos 62 sítios de importância comunitária (SIC) da Rede Natura 2000 em ZEC, e a adopção de medidas concretas, elencadas nos planos de gestão de cada uma delas, que permitam a protecção efectiva destes habitats naturais.
A falha nacional no cumprimento daquela directiva levou o país a ser condenado, no ano passado, pelo Tribunal Europeu de Justiça, por incumprimento da directiva Habitats, e o decreto regulamentar de Março surge, no entender da Zero, apenas como uma resposta a esta condenação, numa tentativa de o país ultrapassar este contencioso. Paulo Lucas, da Zero, não poupa nas palavras e diz mesmo que aquele decreto é “uma intrujice”, porque deixa por fazer praticamente tudo o que é necessário. “Devia haver um plano de gestão para cada ZEC e para cada uma delas um decreto regulamentar, com as medidas específicas. Precisamos de planos de gestão que definam quais os recursos financeiros e técnicos de que vamos precisar para manter o estado de conservação favorável daqueles habitats que nos obrigamos a conservar perante a União Europeia.”, diz.
E nem o prazo máximo “não superior a dois anos” para a elaboração dos planos de gestão, previsto no decreto, sossega o especialista da Zero em conservação da natureza e biodiversidade. “Não nos dá muita segurança, porque não nos interessa só a questão do prazo. Interessa-nos muito a qualidade”. E isso, diz, é algo que não existe nos primeiros oito planos colocados à discussão públicas, para as ZEC de Azabuxo-Leiria, Comporta-Galé, Arrábida-Espichel, Peniche-Santa Cruz, Dunas de Mira, Gândara e Gafanhas, Litoral Norte e São Mamede. “Em sete das oito [a excepção é São Mamede] não existe uma cartografia credível”, exemplifica o ambientalista.
Num comunicado sobre o tema, a que o PÚBLICO teve acesso, a Zero sistematiza que após a análise das propostas submetidas à consulta pública pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) encontrou “graves lacunas de conhecimento sobre as ocorrências e sobre o estado de conservação da maior parte dos habitats e espécies protegidas e insuficiências nas medidas propostas”.
A Zero critica o facto de se ter recorrido à “cartografia de habitats naturais e seminaturais e da flora que foi elaborada em 2006, no âmbito do Plano Sectorial da Rede Natura 2000”, e que na altura já assumia padecer de alguma desactualização. Uma opção que resultará de problemas relacionados com um concurso lançado pelo ICNF para a realização de uma nova cartografia dos habitats, que teve vários problemas e terá de ser refeito. Mas, se não havia condições, sustenta o ambientalista, devia ter-se esperado. “Temos de ter esta cartografia. Estes planos não são minimamente credíveis para nós e isso reflecte-se nas medidas extremamente vagas ali referidas. O que é que quer dizer ‘recuperar o perfil do cordão durar’? Não é nada, é vago. ‘Aumentar o habitat em 10%’, mas se nem sabemos qual é a área de que estamos a falar”. Os planos têm de detalhar, não se podem ficar por medidas genéricas. É preciso dizer que medidas concretas serão implementadas, se vai haver contratualização com proprietários, se o Estado vai adquirir terrenos, se vai haver vedações, se vai retirar os chorões... São planos para gerir, é preciso ter uma componente financeira associada e nem isso tem”, afirma Paulo Lucas.
A Zero considera, por isso, que os planos em cima da mesa são “pouco credíveis” a avisam que eles podem ser insuficientes para apaziguar a Comissão Europeia, que continua atenta ao processo, depois de a própria associação ter apresentado uma queixa, em Maio, relacionada com a alegada insuficiência do decreto regulamentar. Num resposta enviada à associação, a Comissão Europeia garantiu que está a “examinar as informações” enviadas pelo país e que se considerar que elas não são suficientes para cumprir a protecção das ZEC, pode intentar nova acção contra Portugal. Com o consequente risco de sanções pecuniárias que poderão rondar “os 30 mil euros por dia”, avisa a Zero.