No futebol e na doença, quem já teve covid-19 está dispensado de novo teste
Apesar das dúvidas sobre a imunidade e a possibilidade de reinfecção, as pessoas que já estiveram infectadas não precisam de repetir um teste se tiverem uma cirurgia agendada ou se participarem num jogo de futebol profissional.
A norma da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que dispensa todos os que já tiveram covid-19 (na sua forma sintomática ou assintomática) de um teste laboratorial antes de uma cirurgia não urgente também vale para o futebol, pelo menos até ao final desta época, segundo um parecer da DGS que terá sido enviado esta sexta-feira para a Liga e Federação Portuguesa de Futebol. Quer isto dizer que as autoridades de saúde assumem que quem foi infectado com o novo coronavírus não corre o risco de voltar a ser e não representa um perigo de contágio para outras pessoas. Porém, pelo menos para já, as normas da Organização Mundial da Saúde (OMS) dizem o contrário.
Parece ser uma espécie de “passaporte de imunidade” temporário (apesar de não estar definida nenhuma duração da isenção) e (por enquanto) reservado a alguns contextos específicos, como o das cirurgias agendadas e do futebol profissional. No entanto, o pneumologista Filipe Froes, que é consultor da Liga, recusa esta interpretação. “Não se trata de passaportes de imunidade. Houve uma adaptação para o futebol – que constitui o parecer publicado na sexta-feira passada – em que se alargou à retoma do futebol aquilo que já se fazia para as pessoas que necessitavam de ir ao hospital para internamento ou procedimentos”, explica.
Assim, o ponto de partida é uma norma da DGS sobre a retoma da actividade cirúrgica nos hospitais publicada a 10 de Junho e actualizada a 23 de Junho. Ali, no ponto 12, refere-se agora que “estão dispensados da realização do teste laboratorial (…) todos os utentes assintomáticos com história de infecção passada por SARS-CoV-2 que tenham cumprido os critérios de cura estabelecidos na Norma 004/2020 da DGS (no caso de pessoas sintomáticas) ou na Norma 010/2020 da DGS (no caso de pessoas assintomáticas)”.
O parecer inicial da DGS que estipula as condições necessárias para a retoma da I Liga e da Taça de Portugal, publicado a 10 de Maio, não tinha previsto nenhuma dispensa de testes para os jogadores ou elementos do “staff técnico” com história passada de infecção.
Agora, uma semana após a actualização da norma da DGS, há um novo parecer que já prevê a dispensa. “Neste momento, há evidência de que, pelo menos, nos meses mais próximos a uma infecção não há reinfecção”, justifica Filipe Froes, admitindo que não se sabe ainda quanto tempo é que esta (aparente) protecção dura. Para fundamentar esta decisão, o pneumologista cita, por exemplo, um estudo publicado a 19 de Maio pelo Centro de Prevenção e Controlo de Doenças da Coreia do Sul que envolveu o acompanhamento de 285 doentes que voltaram a ter um resultado positivo depois de um negativo. Após a avaliação de 800 pessoas com quem contactaram, concluiu-se que não existiam provas da possibilidade de contágio.
Sobre os casos que podem voltar a dar um positivo num teste depois de já terem cumprido os critérios de cura estabelecidos e que exigem testes negativos, o pneumologista adianta que também esses episódios estão explicados e acautelados. “Já sabemos que esses positivos são restos virais, não patogénicos, não viáveis, não contagiosos que resultam muitas vezes de atraso na eliminação do vírus pelo organismo”, afirma.
O futebol português até já tem dois casos conhecidos que se enquadram nesta possibilidade pouco comum. Um deles é o de Rafael Defendi, guarda-redes do Famalicão esteve infectado com covid-19 em Março, e foi dado como recuperado. A 3 de Junho jogou contra o FC Porto, mas dias depois voltou a testar positivo. Filipe Froes admite que a situação de Rafael Defendi poderá ser explicada com os tais “restos virais, não patogénicos”. O mesmo vale para o árbitro Fábio Veríssimo que também teve um teste positivo, depois negativo e depois voltou a ter outro positivo.
A verdade é que, como medida de precaução, Rafael Defendi acabou por ser impedido de jogar. Com o actual parecer, Rafael Defendi e Fábio Veríssimo nem sequer teriam feito um novo teste.
O parecer estipula que todos os outros envolvidos (que nunca tiveram um resultado positivo) têm de realizar testes 24 horas antes de cada jogo e se as jornadas forem iguais ou superiores a seis dias têm de o repetir no intervalo. “Estes jogadores e todos os membros do staff técnico – todas as pessoas que estão na chamada ‘bolha limpa’ – têm de fazer, além destes testes periódicos, uma avaliação diária pelos departamentos de futebol. E têm um código de conduta. Eles sabem que se forem positivos estão 14 dias sem jogar e isso tem repercussões na sua carreira”, explica Filipe Froes.
No caso do futebol, a recém-introduzida dispensa vai durar, pelo menos, até ao fim da época que termina já no final de Julho. E depois? “Eles depois serão reavaliados”, diz Filipe Froes, confiante de que esta medida “não constitui risco para ninguém” e que exigir um novo teste seria “um desperdício de recursos”. “Isto tem a ver com o nível de conhecimento actual e a optimização de recursos.”
O pneumologista refere ainda que entendeu que “o futebol é um bom exemplo de retoma, enquadrada nas novas normas de segurança, sem prejuízo da essência da actividade”. Quem então deve ser dispensado deste teste? “Todas as pessoas que foram consideradas como casos confirmados, que foram seguidos pelos delegados de saúde pública e tiveram critérios de cura clínica e ou microbiológica não precisam de ser testados”, responde Filipe Froes, admitindo o alargamento da medida a “outras modalidades e actividades” que possam exigir a realização de testes com frequência. E isso não é um certificado de imunidade? “Nós não lhe chamamos isso”, insiste, admitindo que “indirectamente seja uma prova de que a pessoa teve doença e que o risco de reinfecção é nulo, pelo menos nos meses mais próximos”.
A orientação mais recente da OMS sobre este tema é de 25 de Abril. O alerta é especificamente sobre os chamados “certificados de imunidade” ou “passaportes de imunidade” e ali se escreve que “não há provas” científicas de que as pessoas que recuperaram da covid-19 e têm anticorpos estejam plenamente protegidas de uma nova infecção por SARS-CoV-2. Até agora, o alerta mantém-se e esta norma ainda não foi revista pela OMS.