Já ninguém quer passar o Verão em Portugal
Nada me tira mais do sério do que o desnecessário, e entre a impossibilidade do regresso ou a partida antecipada, entre o desemprego, mais incerteza, mais miséria, mais precariedade, mais sofrimento, mais angústia, toda esta farra, todas estas festas, todos estes aniversários. Para quê?
Estamos carecas de saber: a 7 de Junho, em Lagos, mais precisamente no Clube Desportivo de Odiáxere, uma festa de anos resultou num surto de coronavírus e mais de uma centena de infectados, and counting.
O que não sabíamos, mas sabemos agora, é como à conta do dito surto Portugal é persona non grata a nível internacional, sendo o Reino Unido o mais recente exemplo na inclusão do nosso país na lista de indesejáveis destinos de Verão.
Resultado prático: quem viaje de terras de Sua Majestade para Portugal está obrigado a uma quarentena de 14 dias aquando do seu regresso.
Resultado prático: para os turistas britânicos, o Verão em Portugal acabou antes de começar, desta feita afundando ainda mais a economia de um país há muito debaixo de água. Porque, queiramos ou não, Portugal precisa dos britânicos como de pão para a boca, ou não fossem os mesmos quem mais contribui para o turismo em terras lusas.
Infelizmente, de bestial a besta basta um segundo, ou não estivesse a imprensa estrangeira repleta do mau exemplo português entre ajuntamentos de jovens dispersos pela polícia e centenas de casos diários em Lisboa. Portugal não desconfinou, abandalhou, e na sua exuberância multiplicou “festas de anos” de norte a sul do país e as consequências, óbvias, estão à vista. Agora é tarde.
Mas há mais, ou não fosse o período estival a única altura do ano na qual quem lá fora trabalha pode, na verdadeira acepção da palavra, voltar a casa. Este ano, infelizmente, não será esta a realidade de centenas de milhares de emigrantes, desterrados, exilados, excomungados da terra prometida, a sua, em nome da ignorância, quem sabe um pouco de egoísmo, mas maioritariamente a ignorância de quem não quis saber nem procurou saber, de quem por uma noite de copos desertificou aldeias, vilas, cidades, rompeu abraços e beijos, separou pais de filhos, avós de netos, sem dó, sem piedade, sem conhecimento de causa.
Nada me tira mais do sério do que o desnecessário, e entre a impossibilidade do regresso ou a partida antecipada, entre o desemprego, mais incerteza, mais miséria, mais precariedade, mais sofrimento, mais angústia, toda esta farra, todas estas festas, todos estes aniversários... para quê? Para quê?
E não, de pouco ou nada vale referir os transportes públicos sobrelotados quando é preciso ir para o trabalho, quiçá a raiz do problema, transportes esses sobrelotados ad eternum apesar da proibição de ajuntamentos de mais de cinco pessoas em 19 freguesias de Lisboa. E se a isto juntarmos a sobrelotação habitacional numa cidade onde as casas conseguem ser são tão caras como em Londres, temos um problema social e não um problema de farra.
Mas os transportes e a habitação não vendem jornais, a farra sim, e agora é tarde.
Sublinhe-se, e é importante sublinhar para os anos vindouros e Verões futuros: covid-seguro é um selo de qualidade, é a reputação e imagem de um país, é garantia de emprego, trabalho, dinheiro ao fim do mês, economia, vida, futuro, possibilidades, sonhos, esperança. Mas é também sinónimo de regresso, saudade, casa, praia e mar, calor e lágrimas, felicidade, um beijo na boca, outro e outro, tantos abraços, amigos, a nossa cama, o nosso sol, a nossa terra, o cheiro do Verão, todas as noites quentes.
O oposto é o sufoco, o fim.