Professores querem levar o mundo digital também para as salas de aulas
Um inquérito a cerca de quatro mil docentes mostra que estes meses de ensino à distância levaram já a uma mudança de atitude face à utilização de recursos digitais.
Um inquérito realizado a 4150 professores, a maioria do 3.º ciclo e secundário, mostra que estes três meses de ensino à distância levaram já a uma mudança substancial da maioria face ao mundo digital que poderá levar a uma “alteração, de forma quase radical, da sua maneira de ensinar”, destaca o professor do ISPA- Instituto Universitário, João Marôco, que foi o coordenador científico deste estudo.
Com respostas recolhidas entre 5 e 25 de Junho, o inquérito dá conta que, após a pandemia e caso tenham oportunidade para tal, 91% dos inquiridos pretendem desenvolver actividades em sala de aula com software e aplicativos digitais educacionais” e que 80% também pensam usar “avaliação formativa online”.
Esta pretensão por parte dos docentes é totalmente oposta ao que eram as suas práticas dominantes antes do surto da covid-19, que pôs alunos e professores à distância de um computador: 64% dos inquiridos assumem que “nunca usavam software para ensino online” antes da pandemia, ficando-se a grande maioria (95%) só pela utilização de chats ou email.
“Os professores perceberam, ainda que a partir de um evento não planeado, a utilidade das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) no ensino, não no uso do PowerPoint, mas na utilização de ferramentas para avaliação online (formativa/sumativa), distribuição de tarefas e actividades, gestão dos alunos, no envolvimento dos estudantes com os processos de ensino e aprendizagem, entre outros aspectos”, avalia João Marôco em respostas ao PÚBLICO.
Depende agora da “resposta da escola que esta experiência de emergência resulte numa alteração completa do seu funcionamento”, observa este investigador. Até porque existe esta situação que à partida não é propiciadora de mudanças. Para 90% dos inquiridos, “nem as escolas nem as famílias têm recursos para o ensino à distância”.
Resta também saber o que resultará na prática da revolução digital prometida pelo Governo às escolas, já a partir do próximo ano lectivo, e para a qual estão reservados 400 milhões de euros provenientes de fundos comunitários — e cujo anúncio resultou directamente do facto de a pandemia ter posto a nú as desigualdades existentes entre alunos no acesso às tecnologias.
O inquérito, apresentado nesta sexta-feira, partiu da iniciativa de um grupo criado no Facebook durante a pandemia, E-learning-Apoio, que tem cerca de 29.700 membros. O grupo foi criado por professores com o objectivo de providenciar apoio para o ensino à distância a outros docentes.
Com um idade média de 50 anos, que corresponde à do corpo docente, 72% dos inquiridos apresentaram-se como “autodidactas no uso de recursos para o ensino online” e mais de metade (56%) indicaram que recorreram “a familiares e amigos para esclarecer dúvidas sobre o uso destas ferramentas”. No conjunto, 82% reconhecem que “não têm formação suficiente para leccionar online”.
Pelo contrário, na opinião destes docentes, 75% dos alunos mostraram-se “proficientes” no uso dos recursos digitais que asseguram as aulas online, embora na opinião transmitida por estes professores 74% dos estudantes “preterem” estas aulas. Também 83% dos professores afirmam “não preferir” estas aulas.
Digital sim, distância não
João Marôco dá algumas pistas que explicam esta divisão entre quem ensina e quem aprende: “Os jovens são exploradores digitais. Têm menos receio de experimentar, de testar, de arriscar. Os adultos ainda têm medo de “estragar” as tecnologias”. Mas este investigador frisa também que os resultados do inquérito “demonstram, contrariamente ao que muitos afirmam, que os professores estão dispostos a aprender e proactivamente procurarem a formação à medida para utilizarem as tecnologias não só no ensino à distância, mas principalmente na sala de aula”.
Sim, porque quanto ao ensino à distância, 59% dos inquiridos consideram que “torna as aulas menos eficientes”. E não só: 45% dizem que “não é eficaz na transmissão de novos conhecimentos e competências”.
Avaliando o conjunto de respostas recebidas, João Marôco ressalva que do ponto de vista estatístico “estamos muito bem”, mas alerta que “os extremos também precisam de resposta”. E os extremos são estes: existe um quarto de professores e de alunos sem competência digitais, o que significa “milhares de docentes e dezenas de milhares de alunos”.
Notícia corrigida às 23h54. Substitui alunos “preferem” aulas online por alunos “preterem” estas aulas.