Como liderar em tempos de teletrabalho

Como ver com a cabeça e com o coração qual é o ponto de equilíbrio entre o que se pode pedir ou sugerir, que pode parecer supérfluo, e o que tem obrigatoriamente de preencher os nossos dias, quando o mundo ficou de pernas para o ar?

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"A grande aprendizagem para os líderes foi, e está a ser, como manter viva a cultura de escola?" Christin Hume/Unsplash

Passados quase três meses de teletrabalho, ouvi dizer ontem na rua: “Estive mais de um mês sem saber nada do meu chefe.” Estes desabafos merecem alguma reflexão perante os desafios que todas as lideranças atravessam nesta fase de teletrabalho e de distanciamento social. E as lideranças das escolas não estão fora desta questão.

Se para os professores foi necessário investimento pessoal, vontade de superação, concentração no que é prioridade, aprendendo e implementando ao mesmo tempo, qual professor/aluno e aluno/professor; para os directores de escolas e todas as lideranças intermédias não tem sido um quebra-cabeças menor.

Há muito que a diferença entre liderança e gestão está clara. Ou, se quisermos, entre líderes e gestores. Como é que se lidera online e à distância? A gestão dos processos pedagógicos, tais como planificar, preparar recursos, procurar fontes, criar materiais próprios para alunos específicos, entre outros, está, sabemos, na esfera de actuação dos docentes. Receber o feedback ou ouvir as preocupações dos pais, ouvir e gerir as necessidades dos professores, são tarefas de professores e de lideranças. Mesmo as preocupações dos professores e as suas necessidades foram suprimidas, em parte, pelas partilhas e descobertas que iam fazendo uns com os outros. As lideranças proporcionaram formação, agilizaram os procedimentos e limparam a burocracia.

Mas a vida a correr um dia atrás do outro mostra-nos que, tal como na escola, a rotina entra em velocidade de cruzeiro em determinada altura. E o risco de os professores se tornarem isolados, como se fossem os únicos professores de uma escola, sem os laços que os prendem à escola enquanto instituição, podem ficar abalados. A grande aprendizagem para os líderes foi, e está a ser: como manter viva a cultura de escola? Como manter a coesão, a união, o alinhamento da visão e o cumprimento do Projecto Educativo, nos seus valores e princípios? O que está a mudar, se é que não mudou já, nos objectivos destes projectos? Como actualizar a concretização dos valores e princípios à nova realidade? Como continuar a inspirar, a revelar a paixão por ensinar e aprender, neste novo contexto? Como continuar a estar disponível e a servir toda a comunidade educativa, num contexto em que gerir tarefas e procedimentos parece ser o prioritário?

Os líderes tiveram e têm de reinventar o modo de como continuar a manter vivo o propósito de ensinar e aprender neste contexto de confinamento, online ou em diferido. Garantir que a sustentabilidade do processo educativo, como um todo, está assegurada. Provar que é viável e, mais do que isso, necessário promover, em qualquer circunstância, o gosto e a necessidade pelo conhecimento, pelo saber-fazer e pela construção do ser humano. Mas porque temos a certeza de que é necessário? Aonde nos leva a concretização dessa necessidade? À inegável e imparável evolução e ao crescimento das crianças e jovens e à característica natural do ser humano em acompanhar esse desenvolvimento, garantindo padrões preestabelecidos. A grande pergunta é: como é que isto se faz à distância? Como manter vivo o trabalho a nível de ciclo, de escola? Como trabalhar espírito e cultura de equipas, à distância? Como promover novas descobertas para além das tecnológicas, que se mostraram prioritárias? Como ver com a cabeça e com o coração qual é o ponto de equilíbrio entre o que se pode pedir ou sugerir, que pode parecer supérfluo, e o que tem obrigatoriamente que preencher os nossos dias, quando o mundo ficou de pernas para o ar?

A palavra-chave para lidar com este assunto é a humildade, ou não fosse a liderança um acto humilde de serviço aos outros. Manter a coerência entre actos e palavras, fazendo mais do que nunca das palavras que dizemos o nosso caminho. Desenvolver ainda mais a empatia e conseguirmos calçar os sapatos dos outros. Incentivar e aplaudir os progressos e actos de superação. Não esperar provas dadas e não querer provar nada. A resposta estará dentro de cada um. Mas fica apenas uma dica: comunicar, comunicar, comunicar e saber esperar a resposta, mesmo que esta seja, momentaneamente, o vazio cheio de silêncio.

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