Morreu o arquitecto e pintor João de Almeida
Projectou igrejas em Moscavide e Paço de Arcos, assinou a renovação do Museu Nacional de Arte Antiga e foi distinguido com o Prémio Valmor.
O arquitecto e pintor João de Almeida, um dos fundadores do Movimento de Renovação da Arte Religiosa (MRAR), autor das igrejas de Moscavide e de Paço de Arcos, e da renovação do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) e também dos Paços do Concelho de Lisboa após o incêndio de 1995, morreu esta segunda-feira no Hospital de São Francisco Xavier, em Lisboa, onde estava internado. Tinha 92 anos.
João Paiva Raposo Medeiros de Almeida nasceu no dia 24 de Novembro de 1927, em Lisboa, e foi ordenado padre, nos anos 50, no Seminário dos Olivais. Mas a sua vocação dirigiu-se desde o início também para o mundo das artes, nomeadamente a Pintura e a Arquitectura, cujos cursos começou a frequentar na Escola de Belas Artes de Lisboa. Acabaria por concluir o curso de Arquitectura, vários anos mais tarde, na Escola do Porto, não sem antes, no início da década de 50, ainda seminarista e por indicação do cardeal patriarca Manuel Gonçalves Cerejeira, ter viajado para Paris para estagiar com os padres dominicanos Marie-Alain Couturier e Pie-Raymond Régamey, directores da histórica revista Art Sacré, e depois para Basileia. Na cidade suíça, trabalha com Hermann Baur, grande construtor de igrejas e uma referência da arquitectura sacra na Europa Central.
No regresso a Lisboa, João de Almeida envolve-se, em 1952, com jovens arquitectos, historiadores e artistas plásticos, como Nuno Teotónio Pereira, António Freitas Leal, Luiz Cunha (e, mais tarde, Nuno Portas), e também Manuel Cargaleiro e José Escada, no lançamento do MRAR, que, durante cerca de década e meia, haveria de marcar não apenas a arquitectura mas também uma nova visão das artes num mundo condicionado pelos modelos impostos pelo Estado Novo.
“João de Almeida é o autor da primeira grande igreja moderna de Portugal, em Moscavide [1956]”, realça, em declaração ao PÚBLICO, João Luís Marques. Este arquitecto e historiador, doutorado na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP) com a tese A igreja na cidade, serviço e acolhimento, arquitectura portuguesa 1950-1975, lembra que a igreja de Moscavide sucede, no espaço urbano, àquela que Nuno Teotónio Pereira começou a projectar no final da década de 40 para a pequena localidade de Águas, no concelho de Penamacor. “Esta igreja e a de Moscavide são consideradas o arranque da arquitectura religiosa moderna em Portugal”, diz João Luís Marques, salientando que a segunda foi projectada para o espaço urbano, junto ao antigo seminário dos Olivais.
“No regresso da Suíça, João de Almeida traz para Portugal essa reflexão europeia, tanto dos dominicanos franceses como do movimento litúrgico alemão”, com a qual vai ajudar a dinamizar o MRAR. Com o seu projecto para Moscavide (realizado em colaboração com António Freitas Leal), um lugar na periferia de Lisboa habitado por uma população pobre e carenciada, o arquitecto desenha “a primeira igreja onde se faz uma tentativa de aproximação efectiva da comunidade ao altar, modelo que mais tarde será explorado no Concílio Vaticano II”, acrescenta João Luís Marques. A colocação do altar afastado da parede do fundo permite que a celebração se faça num frente-a-frente entre o presbítero e a comunidade. “Com o seu projecto, João de Almeida abre uma brecha, consegue propor ao Cardeal Cerejeira uma solução ambígua que permite as duas coisas, e esta é a grande novidade da Igreja de Moscavide”, nota o historiador de arquitectura sacra.
Antes de desenhar a Igreja de Santo António de Moscavide, o ainda jovem estudante de Arquitectura tinha também feito o projecto para a Igreja Paroquial de Paço de Arcos, que, no entanto, só viria a ser construída na segunda metade da década de 60, já depois do Concílio Vaticano II, que consagrara as novas práticas litúrgicas e abrira as portas a uma nova arquitectura religiosa, de que o exemplo mais conhecido em Portugal seria a Igreja do Sagrado Coração de Jesus (1962-70), de Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas.
Outra marca nas duas igrejas projectadas por João de Almeida era a da associação das outras artes – a pintura, a escultura, a cerâmica – ao projecto da arquitectura, com a colaboração de artistas como Manuel Cargaleiro, José Escada e Eduardo Nery, e também Lagoa Henriques, este tendo sido seu professor nas Belas Artes.
Prémio Valmor na Expo’98
Depois da construção da Igreja de Paço de Arcos, João de Almeida começa a afastar-se da arquitectura sacra, e abandona mesmo o sacerdócio. Funda o seu escritório, e começa a assinar numerosos projectos, mantendo-se, contudo, a trabalhar maioritariamente na região de Lisboa. Entre esses projectos contam-se, entre os anos 80 e 90, a renovação global do MNAA e a reabilitação e reconversão do Convento das Bernardas.
Em 1990, partilha com Pedro Ferreira Pinto e Pedro Emauz e Silva o Prémio Valmor pelo projecto de um condomínio privado entre as ruas do Século e da Academia das Ciências e a Travessa da Horta. Em 1997, com a mesma equipa, recebe uma menção honrosa deste prémio atribuído pela Câmara Municipal de Lisboa pelo edifício administrativo da Parque Expo’98.
Nas três últimas décadas da sua carreira, decide dedicar-se mais à arte da pintura. Começou por expor em Lisboa (Galeria Antiks Design, 1994; Casa-Museu Medeiros e Almeida, com uma exposição retrospectiva em 2012), tendo também mostrado a sua obra em cidades como Londres (1996 e 2006), Pequim (1997 e 2007) e Zurique (2015).
Na associação das suas competências como arquitecto, artista e designer, assinou a montagem cenográfica de várias exposições, nomeadamente para a Casa-Museu Medeiros e Almeida (de cuja fundação, criada por um tio seu, era administrador e consultor museográfico); a mostra de pintura de Josefa de Óbidos na Galeria D. Luís do Palácio da Ajuda (1991); a das Feitorias da Flandres no MNAA (1992) ou O Triunfo do Barroco no Centro Cultural de Belém (1993).
À hora do fecho desta notícia, não era ainda conhecida a data do funeral e da cremação do corpo de João de Almeida, no Cemitério do Alto de São João.
Notícia actualizada com declarações do arquitecto e historiador João Luís Marques.