Adolescentes com menos relações sociais: neurocientistas falam em “risco”, mas admitem benefícios das tecnologias

O confinamento nos adolescentes pode representar danos a longo prazo em termos de saúde mental, sugere um estudo publicado na revista The Lancet Child & Adolescent Health.

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“Estudos em humanos têm demonstrado a importância da aceitação e da influência dos pares na adolescência” Tim Mossholder/Unsplash

Não existem estudos em humanos que possam comprovar aquilo que com animais se identificou: que o isolamento social em determinados períodos da vida, nomeadamente na adolescência, tem “efeitos substanciais” no “desenvolvimento estrutural do cérebro e nos comportamentos associados a problemas de saúde mental”. Porém, uma equipa de neurocientistas alerta para a necessidade de se estar atento: “Os adolescentes encontram-se num período único das suas vidas em que o ambiente social é importante para funções cruciais no desenvolvimento do cérebro, na construção do autoconceito e na saúde mental”.

“A adolescência”, explicam num estudo publicado na revista The Lancet Child & Adolescent Health, “pode ser considerada um período sensível para o desenvolvimento social, parcialmente dependente do desenvolvimento do cérebro social: a rede de áreas cerebrais (…) que nos permite compreender os outros”. Além disso, é nesta fase da vida que o ser humano revela maior “vulnerabilidade a problemas de saúde mental”.

Segundo Sofia Ramalho, psicóloga especialista em educação, “a relação com os pares e as relações amorosas são de extrema importância durante a adolescência”

O que está certo ou errado? O que devem ou não fazer? A vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) explica que “o grupo de amigos tem uma importância acrescida na discussão dos dilemas morais”, numa faixa etária “importantíssima” para as questões relacionadas com “a identidade enquanto pessoa”. A especialista lembra também que “o sucesso das relações entre os pares na adolescência é fundamental para o aumento da autoconfiança”.

Enquanto por um lado refere a inexistência de estudos na matéria, segundo Sofia Ramalho o que se sabe é que “quanto maior o tempo de isolamento, maiores são os riscos e as consequências para a saúde psicológica e para a saúde mental”.​

Confinamento traz menos ansiedade? Depende...

A temática tem ocupado vários especialistas e meros observadores: há os que alertam para os perigos do confinamento, que em Portugal obrigou a grande maioria dos adolescentes a abandonarem as escolas, trocando-as pelo ensino à distância (e sem retorno, até ao 11.º, pelo menos até ao próximo ano lectivo, que deverá arrancar entre Setembro e Outubro), e a manterem-se longe de quaisquer contactos sociais até dia 1 de Junho, quando foi decretado o fim do dever cívico de recolhimento. Mas também os que defendem que neste modelo os adolescentes ganharam tempo e perderam ansiedade.

Sobre este último aspecto, as investigadoras do estudo ressalvam que “o distanciamento físico pode não afectar todos os adolescentes da mesma forma”. “Os adolescentes que vivem com famílias funcionais e com relações positivas com os pais ou cuidadores e irmãos podem ser menos afectados do que aqueles que não têm relações familiares positivas ou que vivem sozinhos.”

No entanto, no que ao desenvolvimento do cérebro diz respeito e independentemente do contexto social, a adolescência é percepcionada pelas neurociências como um momento em que são necessários “estímulos sociais” e uma “maior interacção entre pares”, explicam as autoras — Amy Orben, que estuda como as tecnologias digitais afectam o bem-estar psicológico e a saúde mental dos adolescentes; Livia Tomova, investigadora no MIT; e Sarah-Jayne Blakemore, professora de neurociência cognitiva e co-directora do programa de doutoramento em neurociência da University College de Londres.

A necessidade do “cara a cara”

“Estudos em humanos”, lê-se no documento, “têm demonstrado a importância da aceitação e da influência dos pares na adolescência”. Já “a investigação animal mostrou que a privação social e o isolamento têm efeitos únicos no cérebro e no comportamento na adolescência, em comparação com outras fases da vida”.

E, ainda que admitam que “a diminuição do contacto pessoal entre adolescentes pode ser menos prejudicial devido ao acesso generalizado a formas digitais de interacção social”, a equipa exorta “os responsáveis políticos” para que pensem “urgentemente o distanciamento físico dos adolescentes”. “A abertura das escolas e outros ambientes sociais deveria ser uma prioridade logo que as medidas de distanciamento físico possam ser atenuadas.”

Além disso, referem, “é necessário fornecer mais informações sobre os potenciais méritos (e danos) da ligação digital e os governos devem abordar a fractura digital apoiando o acesso à ligação digital nas famílias, independentemente do rendimento ou da localização”.

Contudo, Sofia Ramalho alerta que a comunicação via Internet não pode substituir o contacto “cara a cara”, uma vez que “são conexões de natureza e impactos diferentes”.

Através de um ecrã, o adolescente “não fica tão exposto do ponto de vista da sua autoconfiança” e, por isso, é mais fácil expressar aquilo que sente devido à ausência de aspectos como o contacto ocular e a linguagem não-verbal. Perde-se assim “o grande desafio do desenvolvimento social e emocional que acontece nas situações de relação presencial”.

Apesar disso, a vice-presidente da OPP afirma que, numa altura em que as conexões presenciais não foram possíveis, as concretizadas em formato virtual foram “fundamentais” porque ao menos “permitiram que os adolescentes falassem sobre o que estavam a sentir e a pensar”, enquanto se apaziguava o “sentimento de isolamento”.


Artigo actualizado, a 17-06-2020, com comentários da vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses, Sofia Ramalho

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