Vamos de férias

É essa a nossa motivação, a razão de nos levantarmos tão cedo, de nos deitarmos tão tarde, horas sem fim, noites por dormir, quilómetros na estrada entre casa e trabalho, uma réstia de fim-de-semana e cá vamos nós outra vez, 46 semanas por ano, 40 anos por vida e um bocadinho para nós no fim.

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Já temos as malas feitas ou, se ainda não estão feitas, para lá caminham, mas vamos de férias.

Passámos o ano inteiro a trabalhar por dois, não, por três ou quatro, continuamos a trabalhar por três ou quatro e o portátil a caminho do avião, às costas ou na mão. Mas é sempre assim todos os anos e se todos os anos não deixamos de ir de férias, este não será diferente e, portanto, vamos de férias.

Já perdemos a conta aos meses sem ver os nossos pais, para não falar de irmãos, irmãs, tios, primos, sobrinhos e amigos mil e temos saudades. E se ter saudades é inerente à distância, eis chegada a hora da sua morte, a morte de todas as saudades do mundo, uma de cada vez a mirrar ao sol enquanto o calor se levanta, cá e lá, lá e cá.

E não, não vamos ter saudades de ter saudades, não agora enquanto, afoitos, corremos para as asas das nossas mães. 

E, por falar em asas, vamos mesmo de férias, não sei se já o disse, e o voo já está comprado desde Janeiro. No Verão meio mundo quer ir a Portugal, razão pela qual compramos as passagens com antecedência, não vá a exorbitância dos preços estivais impedir o regresso a casa.

Está tudo planeado e contado ao minuto, ou não estivéssemos um ano inteiro à espera do mar, à espera de um Portugal de água, poder mergulhar num país inteiro, nadar à vista de um país inteiro e ao largo tomá-lo nos meus braços. 

É essa a nossa motivação, a razão de nos levantarmos tão cedo, de nos deitarmos tão tarde, horas sem fim, noites por dormir, quilómetros na estrada entre casa e trabalho, uma réstia de fim-de-semana e cá vamos nós outra vez, 46 semanas por ano, 40 anos por vida e um bocadinho para nós no fim.

Nos entretantos, queremos ir a casa e beber todo o sal, sorver toda a seiva e suster a nossa terra nos pulmões como se fosse a última vez. É o mínimo. É o pote de ouro no fim do arco-íris. É a nossa recompensa, a nossa prenda, de nós para nós para todos. 

Vamos sair de casa e apanhar o comboio, e depois outro comboio até ao aeroporto, levamos duas malas de mão e duas mochilas, no aeroporto ainda temos tempo para um café e umas compras de última hora, o avião vai cheio, não sei se te lembras mas, no ano passado, toda a gente usava máscara, inclusivamente nem sequer tivemos avião, inclusivamente nem sequer fomos a casa e no Natal também não, já lá vão dois anos, mas isso são outras histórias, é tudo passado, olha lá para fora, a ponte e o Cristo Rei, aterramos na excitação de duas crianças e mal podemos esperar, a brisa do mar à saída do avião, o comboio a caminho de casa, os teus pais, mais velhos, à nossa espera, o abraço mais longo que o tempo pode dar.

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