Hong Kong encheu-se de luz para desafiar a China e lembrar Tiananmen

Dezenas de milhares de pessoas ignoraram proibição de ajuntamentos e juntaram-se numa vigília de homenagem às vítimas do massacre de 1989, no dia em que foi aprovada a lei que criminaliza insultos ao hino chinês. Houve quatro detenções após confrontos breves com a polícia.

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Vigília começou ao final do dia e prolongou-se pela noite dentro EPA/JEROME FAVRE
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Milhares de velas iluminaram a cidade EPA/JEROME FAVRE
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Parque Victoria encheu-se de gente Reuters/TYRONE SIU
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Celebração foi praticamente pacífica, apesar da proibição de reunião e dor reforço policial Reuters/TYRONE SIU

Trinta e um anos depois da revolta pró-democracia e a sua repressão na Praça de Tiananmen, em Pequim, Hong Kong não deixou de sair à rua para homenagear as vítimas. Dezenas de milhares de pessoas desafiaram esta quinta-feira a ordem de proibição de ajuntamentos públicos, decretada pelas autoridades em nome da contenção da covid-19, e iluminaram o Parque Victoria e ruas adjacentes do território, com velas e luzes de telemóvel.

Uma vigília carregada de simbolismo, no dia em que o parlamento local aprovou uma lei que criminaliza insultos ao hino chinês e numa altura em que a nova legislação de segurança nacional, concebida pelo Governo de Pequim, ameaça o estatuto de semi-autonomia da região administrativa especial de Hong Kong.

“Enquanto toda a China permanece às escuras, em Hong Kong ainda podemos preservar esta memória, para lutarmos contra o esquecimento”, disse ao South China Morning Post Lee Cheuk-yan, antigo deputado pró-democracia e actual director da organização que promove, anualmente, a vigília de evocação da memória dos estudantes de Pequim que desafiaram o Partido Comunista Chinês (PCC) em 1989 e que foram brutalmente reprimidos pelo regime.

Apesar das barreiras físicas montadas em vários pontos da cidade e do reforço policial em redor de alguns edifícios e espaços públicos – foram mobilizados mais de três mil agentes –, o Parque Victoria e diversas ruas de Hong Kong encheram-se de luz, mas também de cartazes com mensagens pró-democracia. 

Houve um minuto de silêncio em memória das vítimas de Tiananmen e algumas igrejas abriram as portas ao público e organizaram pequenas cerimónias. Em muitos dos ajuntamentos nocturnos também se gritou e cantou por liberdade, democracia e independência para o antigo território britânico, que regressou à órbita da República Popular da China em 1997. 

“Libertar Hong Kong: a revolução do nosso tempo”; “Lutem pela liberdade, apoiem Hong Kong”; ou “A independência de Hong Kong é a única saída”, foram alguns dos cânticos entoados pelos manifestantes, segundo os jornalistas do SCMP e da Reuters no local.

A data também foi celebrada em Taiwan, com mais de 300 pessoas reunidas na Praça da Liberdade, em Taipé. Numa publicação no Facebook, a líder do território reivindicado pela China, não esqueceu Hong Kong.

“Na China, cada ano só tem 364 dias. Há um dia que é esquecido. Espero que em todos os cantos da Terra não haja mais dias a desaparecerem também. E desejo o melhor para Hong Kong”, escreveu a Presidente Tsai Ing-wen.

Quatro detenções

Os ajuntamentos e as vigílias em Hong Kong foram, na sua grande maioria, pacíficos, mesmo estando em vigor a proibição de ajuntamentos ou de reuniões com mais de oito pessoas – medida que o movimento pró-democracia descreveu como tendo “motivação política”, mas que as autoridades de Hong Kong afiançaram ser movida apenas por questões de saúde pública – e de se estar a viver, no território, um dos períodos mais tensos dos últimos meses.

Ainda assim, registaram-se breves confrontos na zona de Mong Kok. Os manifestantes tentaram bloquear uma rua com algumas barreiras metálicas instaladas pela polícia e as forças de segurança acabaram por dispersar a multidão recorrendo a gás pimenta. Pelo menos quatro pessoas foram detidas.

Houve ainda dois momentos de maior tensão, que acabaram por ser controlados pela polícia: um grupo de activistas tentou aproximar-se do edifício da representação da China em Hong Kong, mas foi travado pelos agentes de segurança; e um pacote suspeito, abandonado numa rua no centro da cidade, obrigou a intervenção da unidade policial anti-explosivos, que o neutralizou e concluiu, subsequentemente, ter-se tratado um falso alarme.

Novo ciclo

O braço-de-ferro entre o movimento político e activista pró-democracia de Hong Kong e a autoridade vinda de Pequim – representada politicamente pelo governo liderado por Carrie Lam –, viveu em 2019 um dos seus capítulos mais tensos, com protestos, violência, motins e repressão policial a um ritmo quase diário, ao longo de seis meses, motivados pelas denúncias de asfixia das liberdades individuais e da independência do poder judicial do território, promovidas pelo PCC.

Nas últimas semanas o ambiente em Hong Kong voltou a deteriorar-se, na sequência da nova lei de segurança nacional chinesa, aprovada no final de Maio pelo Congresso Nacional do Povo, em Pequim, e cuja aplicação na região administrativa especial deverá acontecer em meados de Julho ou início de Agosto.

A legislação promove e reforça as punições para crimes de secessão, subversão, sedição e terrorismo e é encarada pela oposição à China – e por Reino Unido, Estados Unidos e União Europeia – como uma forma de perseguição e silenciamento da dissidência, de esvaziamento da Lei Básica que regula o estatuto especial de Hong Kong e de aniquilação do princípio “Um país, dois sistemas”, que rege a relação política e administrativa entre o território e a China Continental.

O novo ciclo político inaugurado pela reunião magna do PCC, na capital chinesa, permitiu ao governo de Carrie Lam dar seguimento a outras propostas legislativas controversas, como a lei que criminaliza o “insulto” ou o “desrespeito” pelo hino da República Popular da China – a Marcha dos Voluntários –, com penas que podem ir até três anos de prisão. Foi aprovada esta quinta-feira pelo Conselho Legislativo de Hong Kong.

A sessão parlamentar de votação foi, no entanto, atribulada, e teve de ser interrompida depois do deputado pró-democracia Ray Chan Chi-chuen ter despejado no chão uma substância líquida malcheirosa. 

Citado pela Reuters, Eddie Chu Hoi-dick, outro representante da oposição à China, ainda atirou estas palavras, antes de ser expulso da sala, juntamente com Ray Chan e um terceiro deputado: “Um Estado assassino fede para sempre. O que aqui fizemos foi relembrar ao mundo que nunca nos devemos esquecer que o Partido Comunista Chinês matou a sua própria população há 31 anos”.

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