“O mundo está preparado para ver o Iémen cair do penhasco?” ONU está a ficar sem dinheiro para ajudar
A ONU está a ficar sem dinheiro para apoiar o país e o valor angariado numa conferência de doadores organizada pela Arábia Saudita ficou bem abaixo das necessidades. Críticos denunciam tentativa de branqueamento saudita.
As operações de ajuda humanitária da Organização das Nações Unidas, ONU, no Iémen estão em risco e o país poderá não conseguir sair da “tragédia macabra” em que se encontra, depois de uma conferência destinada a doadores internacionais, co-organizada pela ONU e pela Arábia Saudita – que apoia um dos lados na guerra –, ter ficado aquém das expectativas.
Durante a conferência de terça-feira, foram angariados 1,35 mil milhões de dólares destinados à ajuda humanitária no Iémen, um valor muito inferior aos 2,4 mil milhões que a ONU tinha definido como necessários para ajudar o país.
Na abertura da conferência, relata a BBC, o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou que a pandemia de covid-19 constitui “uma terrível ameaça para uma das populações mais vulneráveis do mundo” e reforçou que a organização “está numa corrida contra o tempo” para ajudar as 24 milhões de pessoas que necessitam de ajuda humanitária. No Twitter, o secretário-geral das Nações Unidas acrescentou que “terminar a guerra é a única solução” e que “os iemenitas precisam desesperadamente de paz”.
No entanto, o apelo de António Guterres não surtiu efeito e cerca de um terço do valor angariado veio da Arábia Saudita, um dos países envolvidos na guerra civil que dura há cinco anos e que opõe os rebeldes houthis, apoiados pelo Irão, e uma coligação internacional liderada por Riad, numa guerra por procuração entre as duas maiores potências do Médio Oriente. O conflito já causou milhares de mortos, deixou milhões de pessoas a morrer à fome e destruiu as principais infra-estruturas do país.
As Nações Unidas alertam que sem mais doações, cerca de 400 hospitais e centros de saúde financiados pela organização serão obrigados a reduzir os seus serviços, isto numa altura em que a pandemia de covid-19 continua a espalhar-se pelo país, sem se saber a real dimensão da sua gravidade – a pouca testagem e as precárias estruturas sanitárias impossibilitam que o número real de mortos e infectados seja conhecido.
A desilusão com o valor angariado foi demonstrada por Mark Lowcock, subsecretário-geral da ONU e coordenador de ajuda de emergência das Nações Unidas, no final da conferência, ao afirmar: “Não podemos estar satisfeitos com o que conseguimos hoje.”
No Twitter, referiu que o valor angariado corresponde a cerca de metade do que foi conseguido no ano passado, deixando um apelo para que o dinheiro seja enviado o mais rapidamente. “Isso significará a diferença entre a vida e a morte”, reiterou.
Durante a conferência, Lowcock descreveu a situação no Iémen como uma “tragédia macabra”. A situação no terreno “está pior hoje do que em qualquer momento da história recente”, afirmou. “O mundo está preparado para ver o Iémen cair do penhasco?”, questionou.
Branqueamento da guerra
Desde o início da guerra no país, há cinco anos, os iemenitas têm sofrido tragédia atrás de tragédia – bombardeamentos aéreos a hospitais, autocarros escolares e casamentos levados a cabo pela coligação liderada pela Arábia Saudita, um surto de cólera, colapso do sistema de saúde e, nas últimas semanas, o alastrar da pandemia de covid-19.
A Arábia Saudita chegou a anunciar um cessar-fogo unilateral no Iémen, no início de Abril. No entanto, as bombas continuaram a cair. As organizações de ajuda humanitária apelam ao fim imediato da guerra e deixam especiais críticas a Riad. Os sauditas são o principal doador, mas, ao mesmo tempo, um dos lados envolvidos no conflito. Os 500 milhões de dólares doados na terça-feira às Nações Unidas servirão de pouco, se o reino saudita continuar a bombardear civis e a impedir que a ajuda humanitária chegue aos bastiões controlados pelos rebeldes houthis.
“A Arábia Saudita continua a tentar branquear o papel da coligação de que faz parte na catástrofe no Iémen. Co-organizar um evento de angariação de fundos não engana ninguém”, afirmou Afrah Nasser, responsável pela investigação do Iémen na Human Rights Watch, citada pelo New York Times.