A mais antiga prova de parasitismo tem mais de 500 milhões de anos

Ao analisarem centenas de exemplares de organismos marinhos com conchas, uma equipa de cientistas encontrou parasitismo em fósseis da China.

Braquiópode com tubos, onde viviam parasitas
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Ilustração de um braquiópode com tubos, onde viviam parasitas Zhifei Zhang/Universidade do Noroeste
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Ilustração de um braquiópode com tubos, onde viviam parasitas Zhifei Zhang/Universidade do Noroeste

Há 512 milhões de anos, onde é hoje a actual província de Yunnan (na China), existiam pequenos organismos marinhos com conchas e tubos. Dentro desses tubos, estariam parasitas que roubavam comida a esses animais marinhos. Esta terça-feira uma equipa de cientistas da China, da Suécia e da Austrália divulgam na revista científica Nature Communications esta longínqua interacção e sugerem que se trata da mais antiga prova de parasitismo, em que indivíduos de uma espécie vivem dentro de outro e tiram-lhe alimento. 

Na formação geológica de Wulongqing, localizada no Sul da China, foram encontrados vários fósseis de organismos do filo Brachiopoda, os braquiópodes. Com um corpo mole protegido por duas conchas (valvas) diferentes uma da outra, os braquiópodes abrem as tais valvas para se alimentarem e mantêm-nas fechadas para proteger o seu corpo. São animais sésseis e estão presos ao fundo do mar (ou a outro substrato) por um pedúnculo. Actualmente, há aproximadamente 450 espécies de braquiópodes e mais de 12 mil espécies são conhecidas a partir do registo fóssil.

Os fósseis desta história foram descobertos por uma equipa de cientistas da Universidade do Noroeste, na cidade de Xian (na China), e têm aproximadamente 512 milhões de anos, em pleno período Câmbrico (que decorreu há entre 541 e 485 milhões de anos). De seu nome científico Neobolus wulongqingensis (que é uma nova espécie para a ciência), estes braquiópodes tinham entre cinco e dez milímetros de comprimento e viviam no fundo do mar. Para se alimentar, abriam as conchas para que o lofóforo – um órgão de alimentação em forma de anel com tentáculos cobertos de cílios – levasse nutrientes desde a água até à boca dos braquiópodes. Muitos desses organismos tinham fora das suas conchas tubos alongados.

Ao analisarem braquiópodes Neobolus wulongqingensis com tubos incrustados nas cochas e outros sem esses alongamentos, a equipa notou que os braquiópodes com tubos tinham um tamanho mais reduzido em comparação com os que não tinham. O que teria acontecido? Organismos que viviam nos tubos seriam parasitas que provocaram uma diminuição na biomassa dos seus hospedeiros. “Os braquiópodes infectados por parasitas mostravam em média uma redução de 26% na biomassa em comparação com os braquiópodes que não estavam infectados por parasitas”, informa ao PÚBLICO Timothy Topper, investigador da Universidade do Noroeste e um dos autores do artigo. Ao todo, foram analisados 429 exemplares de braquiópodes Neobolus wulongqingensis: 224 que não tinham tubos (por isso, não teriam parasitas) e 205 que tinham tubos.

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Fóssil de braquiópode com aproximadamente 512 milhões de anos Zhifei Zhang/Universidade do Noroeste

Além da dimensão mais reduzida, a equipa viu ainda que a direcção dos tubos dos braquiópodes hospedeiros estava alinhada com canais de alimentação ligados ao lofóforo. Ao alojarem-se nos tubos, os parasitas ficavam assim numa posição perfeita para roubar parte da comida ao seu hospedeiro.

Com todas estas provas, os cientistas concluíram que os organismos dentro do tubo estavam a interceptar parte da comida que o braquiópode recolhia para si próprio. A este comportamento em que um organismo que vive noutro e lhe rouba comida chama-se “cleptoparasitismo” e a equipa pensa que está perante o parasitismo mais antigo que se detectou até ao momento.

Apanhados em acção

Quanto ao parasita, a equipa não consegue dizer exactamente que tipo de organismo era, porque só os tubos ficaram conservados. “O corpo do parasita não ficou preservado, muito provavelmente, por causa do seu corpo mole”, assinala Timothy Topper. O investigador adianta que, por vezes, se encontraram possíveis vestígios do sistema digestivo do parasita, mas mesmo assim é difícil saber que animal era. “Provavelmente, seria uma criatura semelhante a um verme e muitos organismos que vivem nos tubos são filtradores. É difícil ser mais preciso do que isto. Apenas é claro que os tubos estavam ocupados.”

Timothy Topper destaca que identificar parasitismo que aconteceu há 500 milhões de anos e os seus efeitos no hospedeiro não são tarefas fáceis. “Provas de interacções directas entre organismos no registo fóssil são muito raras. Tivemos muita sorte em apanhar parasitas e os hospedeiros em acção”, realça.

Antes desta descoberta, o investigador diz que no Câmbrico havia apenas alguns exemplos de parasitismo e, como na maioria desses casos havia apenas um único exemplar que provava que isso teria ocorrido, é difícil saber se realmente aconteceu. Até agora, uma das provas mais antigas era de que o parasitismo tinha ocorrido no final do Câmbrico (25 milhões de anos depois do tempo decorrido no estudo agora divulgado) com pentastomidas – parasitas artrópodes que se alojam no tracto respiratório de vertebrados. Embora tivesse sido identificado um parasita nesse caso, este não estava preso a um hospedeiro e a interpretação de que se tratava de parasitismo foi feita porque os pentastomidas estão associados a parasitas.

Se avançarmos no tempo, vamos encontrando outras provas de parasitismo, como no período Ordovícico (entre há 485 milhões e 443 milhões de anos) e no período Silúrico (entre há 443 milhões e 419 milhões de anos). Contudo, poucos estudos quantificavam mesmo os efeitos do parasita no hospedeiro como se conseguiu ver no recente estudo. Também já se conseguiu documentar interacções de parasitismo entre gastrópodes e crinóides no período Devónico (entre há 419 milhões e 358 milhões de anos).

Quanto à importância da descoberta anunciada esta terça-feira, Timothy Topper considera que permite recuar de forma consistente mais de 500 milhões de anos nas interacções parasíticas. Ao contrário de muitos casos em que há apenas um exemplar, um grupo de amostras ou efeitos especulativos do parasitismo, neste estudo há centenas de exemplares de braquiópodes com ou sem tubos que demonstram um exemplo arcaico de parasitismo – até agora o mais antigo que se conhece na história da Terra. “O parasitismo está à nossa volta em todo o mundo, mas a forma e a altura em que se começou a desenvolver permanece um mistério”, nota o cientista. Agora escavou-se um pouco mais esse enigma.

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