Adiar o “até que a morte nos separe” pode ser a morte de parte da indústria dos casamentos

Dos organizadores de eventos às quintas, passando pelo vestuário e maquilhagem, a indústria dos casamentos move milhões por ano. O arranque de 2020, com a pandemia, não é promissor.

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Para além da limitação do número de pessoas presentes, também o uso de máscara foi obrigatório para os convidados. Bruno Garcez
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Para que as distâncias de segurança fossem respeitadas, os lugares foram marcados com corações nos bancos da igreja. Bruno Garcez
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Ana e Rui deram o nó com todas as normas de segurança e higiene necessárias,no sábado, dia 9 de Maio. Bruno Garcez

Há um ano e cinco meses que Ana e Rui sonhavam com o dia do seu casamento. Podiam-no ter celebrado antes, mas queriam garantir que toda a família e amigos, incluindo os do estrangeiro, estavam presentes. A pandemia de covid-19 trocou-lhes as voltas. A eles e a centenas de casais, bem como a toda uma indústria que gira em torno desta celebração. Segundo um inquérito a do sector, a indústria dos casamentos movimenta mais de quatro mil milhões de euros anuais. Um valor que está longe de ser obtido este ano com cancelamentos (6,4%) e adiamentos para 2021 (22,5%), segundo um estudo da Belief Wedding Creators (BWC), uma plataforma internacional que reúne organizadores de casamentos. Apenas 32,1% acontecerão até ao final do ano.

A empresa BestEvents e a revista I Love Brides juntaram-se para fazer o retrato do sector neste momento, para isso lançaram um inquérito a que responderam 257 empresas. Segundo o mesmo, as despesas dos noivos rondam os 35 mil euros enquanto a média de 147 convidados por casamento gasta cerca de 91 mil euros. Se se multiplicarem esses valores pelos 33 mil casamentos que foram realizados o ano passado, conforme os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), é possível chegar a uma estimativa do valor desta indústria. “Estes dados comprovam que a indústria wedding movimenta mais de quatro mil milhões de euros por ano. Quase 2% do PIB”, calcula Sura Mota, directora da revista I Love Brides.

Portugal não anda longe dos valores do resto dos países, segundo o estudo da BWC, que procurou analisar o impacto da covid-19 a nível internacional, mas é dos países mais afectados pela pandemia, com dados acima da média em termos de cancelamentos e adiamentos. Em média, 30,26% foram adiados até ao final do ano (32,1% por cá), 15,64% para 2021 (22,5% em Portugal) e 6,29% cancelaram (6,4% casais portugueses tomaram essa decisão).

Com tudo marcado para o passado dia 2 de Maio, Ana e Rui decidiram adiar a cerimónia apenas uma semana, para dia 9, data em que sabiam que podiam realizá-la na paróquia de Nossa Senhora da Conceição, no Porto. A igreja onde queriam mesmo casar, contam os noivos ao PÚBLICO por e-mail. Juntaram menos pessoas, que cumpriram as distâncias de segurança e usaram máscaras, e decidiram adiar a festa para o ano. Essa decisão “não estragaria nem tiraria o brilho desses dois momentos”, defendem.

Festas a dobrar?

Cláudia e David só começaram a organizar o seu casamento no início deste ano e está marcado para Agosto. Juntos há quase oito anos, o casal não quis adiar a festa para Outubro por causa da possível segunda vaga do vírus. Se não for possível celebrarem no Verão, têm um plano B para 2021.

Se cerca de um quinto dos noivos que iam casar decidiu adiar ainda para 2020, Bruno Silva, da Feel Creations – Wedding Photo&Film, da Maia, que viu 13 casamentos serem adiados e, desses, só um será este ano, mostra-se céptico: “Não acredito que em Setembro tenhamos um casamento com 250 pessoas como estávamos habituados. O próprio convidado não tem o à-vontade para ir.”

Já Alexandra Barbosa, artista plástica e directora criativa de A Pajarita, Póvoa de Varzim, é mais optimista e acredita que as celebrações serão adiadas para serem festejadas “a dobrar”, com outra vontade e “predisposição para conviver, estar, sentir”. “Não vai simplesmente ser uma festa, vai ser ‘a’ festa”, ressalta a criadora de convites e lembranças personalizadas.

Com a festa reagendada para o ano, Ana e Rui também partilham desta opinião, já que continuam a planear a celebração onde vão, finalmente, juntar familiares e amigos e renovar os votos. “Brincamos [quando dizemos] que não nos importamos de casarmo-nos um com o outro várias vezes ao longo da nossa vida”, confidenciam.

Cancelamento, não, adiamento

Com uma taxa de cancelamentos de 6,4%, segundo o estudo da BWC, as empresas fazem questão de dizer as noivos que, depois de meses ou até de anos, de planeamento, a festa não deve ser cancelada. “O cancelamento alarma muito as noivas” e é importante passar a mensagem de que “não há um cancelamento, mas um adiamento”, define Ana Branco, maquilhadora e fundadora da Pó de Arroz, de Leiria.

Em teletrabalho, a maquilhadora tem mantido um “serviço de acompanhamento da pele das noivas”, à distância, o que lhe tem permitido manter a empresa a funcionar. Como “a maior percentagem de casamentos começa na altura de Abril e vai até, sensivelmente, final Outubro ou Novembro”, Ana Branco explica que o reagendamento para o final do ano “é como se se tivesse invertido a época baixa para a época alta”. Contudo, esta inversão implica que os pagamentos serão feitos mais tarde do que o previsto.

Para a designer Pureza Mello Breyner, a maior preocupação não é o reagendamento dos casamentos mas as noivas que iam marcar ainda para este ano e já não o vão fazer. “Neste momento, estamos com dois terços da nossa produção máxima”, informa a profissional com atelier em Lisboa. A pandemia não cancelou as provas de vestidos que continuam a ser feitas “com todos os cuidados que a Direcção-Geral da Saúde manda ter”, mas mudou o mercado do atelier, que deixou de vestir exclusivamente as noivas, mas começou a fazer “vestidos para o que as pessoas quiserem”, além dos das “convidadas e mães das noivas”, explica.

Também para a wedding planner Maria João Soares a maior preocupação é a falta de novas marcações, em especial, “não haver procura para 2021”. Apesar da maioria dos fornecedores da indústria dos casamentos receber uma parte do pagamento quando o contrato é assinado, a maior fatia só é embolsada perto da data do casamento. Assim, sem a realização das cerimónias e sem novas marcações, a organizadora de casamentos sofreu perdas de cerca de 75%.

Com a maior parte do sector parado, o que se traduz num grande impacto na economia, algumas actividades estão a aproveitar para arriscar noutras áreas, é o caso da decoradora e organizadora de eventos Susana Abreu, da Inspirarte, em Matosinhos, que aproveitou para reorganizar a empresa e está a pensar fazer formações online e “explorar a consultoria na área dos eventos”.

A Quinta da Quintã, na região de Aveiro, já adiou cerca de 40 eventos e está neste momento sem rendimentos. Sendo o impacto económico “incontornável”, “não ter uma perspectiva de abertura ou uma orientação sobre os moldes em que essa abertura poderá acontecer” é visto com grande preocupação, confessa Joana Coelho. 

Texto editado por Bárbara Wong

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