Desvendada estrutura de proteína essencial na bactéria da tuberculose
Resultados deste estudo podem contribuir para o desenvolvimento de novos fármacos que combatam a tuberculose.
Conhecer pormenorizadamente as proteínas de uma bactéria pode dar-nos pistas sobre os seus alvos terapêuticos. Agora, uma equipa internacional de cientistas – que inclui investigadores portugueses – deu mais um passo no conhecimento da bactéria Mycobacterium tuberculosis, que causa a tuberculose. Através de um trabalho interdisciplinar, conseguiu-se desvendar a estrutura de uma proteína dessa bactéria. Este resultado pode contribuir para o desenvolvimento de novos fármacos. Por agora, uma imagem artística dessa proteína dá nas vistas ao ser a capa da revista científica Molecular Cell, onde o estudo foi publicado.
Para se conhecerem a estrutura e a funcionalidade das proteínas, é preciso juntar conhecimento de várias áreas. É isso que faz uma colaboração de vários laboratórios internacionais coordenada por Filippo Mancia, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Dentro desse consórcio, há grupos dedicados à biologia estrutural, outros à microbiologia ou ainda quem se dedique à química.
Em Portugal, esta colaboração inclui cientistas do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB) da Universidade Nova de Lisboa e da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Alguns estudantes de doutoramento do grupo de Margarida Archer (investigadora do ITQB e uma das autoras do artigo) até têm ido para a Universidade de Columbia, onde têm colaborado com a equipa de Filippo Mancia e sido treinados a nível da microscopia electrónica – uma técnica relativamente recente.
Na última edição da Molecular Cell, este consórcio trouxe-nos uma novidade: conseguiu determinar a estrutura tridimensional da enzima (ou proteína) arabinofuranosil-transferase (AftD) e viu que essa proteína está envolvida na formação do envelope celular (que envolve a célula) da Mycobacterium tuberculosis. Este envelope faz com que a bactéria seja pouco permeável, tornando-a mais resistente a vários antibióticos e outros fármacos que poderiam ser usados no combate à tuberculose.
Observou-se ainda que a AftD está associada a uma outra proteína, a proteína transportadora de grupos acilo (ACP), que estará a actuar como uma reguladora da enzima AftD – embora ainda haja muito a desvendar sobre esta última. Estas observações foram feitas graças à crio-microscopia electrónica, que permitiu obter imagens com uma resolução atómica.
“Não estávamos à espera [disto] e é isso que torna a ciência interessante”, assinala Margarida Archer sobre a descoberta da associação das proteínas. “As coisas que não estamos à espera são as mais interessantes, porque nos obrigam a investigar. No fundo, o que está ali a fazer a proteína [transportadora de grupos acilo]? Ainda não percebemos bem, por isso é que digo que as histórias nunca acabam.”
Por agora, esta história está contada numa imagem artística na capa da Molecular Cell. A imagem, que representa as partes visualizadas neste trabalho, foi feita por um antigo estudante de doutoramento do ITQB, Davide Cruz, que trabalhava na área da bioinformática. Olhemos para a imagem e vejamos o que significam as várias partes: as bolinhas (brancas, vermelhas ou azuis) representam a membrana da célula da Mycobacterium tuberculosis; as hélices cor de laranja interagem com a proteína transportadora de grupos acilo (esferas cor de laranja claro); e parte da proteína AftD está a rosa.
A 3 de Maio, um outro consórcio liderado por investigadores da Universidade de Nankai (na China) já tinha publicado um trabalho na revista científica Protein & Cell em que descreviam que tinham determinado a estrutura de proteínas da mesma família da AftD. Também viram que essas proteínas estavam ligadas à proteína ACP, embora não tenham identificado o papel dessa associação.
Também a lepra e a difteria
Quanto aos contributos do estudo publicado na Molecular Cell, Margarida Archer refere que, por um lado, permite perceber melhor as proteínas a nível atómico. Por outro, este tipo de proteínas é essencial para a virulência de bactérias como a Mycobacterium tuberculosis e conhecê-las abre portas para o desenvolvimento de fármacos que possam inibi-las, podendo ajudar a combater a tuberculose. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, estima-se que só em 2018 tenham sido infectadas com tuberculose dez milhões de pessoas em todo o mundo.
“Se conseguíssemos inibir esta proteína e, se com isso alterarmos a composição do envelope da Mycobacterium tuberculosis, podemos torná-la mais susceptível a certos compostos e pode tentar-se desenvolver um antibiótico”, indica a investigadora. Mas Margarida Archer assinala que são necessários vários estudos (por exemplo, a nível da química ou da biologia computacional) e passar por vários passos para se obterem resultados clínicos – até porque a Mycobacterium tuberculosis não é fácil de manipular. “O caminho é longo”, prevê a cientista.
Além da Mycobacterium tuberculosis, há outros agentes patogénicos, como as bactérias que causam a lepra e a difteria, que têm a proteína AftD. Portanto, os conhecimentos deste estudo podem vir a ser explorados para se combater também essas doenças.
Por agora, a equipa de Margarida Archer – em estreita relação com a colaboração liderada por Filippo Mancia – está a caracterizar enzimas da mesma família da AftD, bem como a aprofundar o conhecimento da função desta enzima e da sua “parceria” com a proteína transportadora de grupos acilo.