A Organização Mundial da Saúde define a obesidade como uma doença, mas, para Rosário Monteiro, investigadora do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto e co-autora, com Maria João Martins, do livro recém-lançado Understanding Obesity: From its Causes to Impact on Life, é necessário ainda que os médicos a tratem como tal.
“A obesidade é muitas vezes olhada apenas como um risco acrescido para o surgimento de outras doenças”, explica. Porém, defende, ao tratar a obesidade como doença evita-se o surgimento e consequente tratamento a outras doenças de maior relevância, como a diabetes ou mesmo o cancro. Além de esta diferente abordagem, explica a investigadora, acabar por ser benéfica até ao nível socioeconómico.
No entanto, antes ainda de se chegar ao ponto de se ter de tratar a obesidade, há que evitar esse quadro. “É imperativo começar a prevenir em vez de agir no fim da linha.”
No livro, Rosário Monteiro e Maria João Martins dissertam sobre o comportamento do tecido adiposo, o seu grau de disfunção ou a Síndrome Metabólica. Mas sobretudo explicam as causas e apontam caminhos para fugir a um suposto quadro de obesidade como se se tratasse de um fado. Algo que começa ainda antes de se nascer: afinal, o excesso de peso na gravidez ou uma má alimentação da gestante pode influenciar o organismo do pequeno ser ainda em ambiente intra-uterino. Também a forma como se nasce é relevante: “Num parto vaginal, por exemplo, o recém-nascido é exposto aos lactobacilos”, bactérias que vão apoiar a maturação do intestino, cujo funcionamento vai influenciar o metabolismo.
No entanto, além deste factor, assim como da predisposição genética ou mesmo dos que são influenciados pela exposição a mais ou menos poluição, é no comportamento que se pode alterar um futuro quadro de obesidade, sendo de enorme importância os primeiros anos de vida.
Para que seja fomentado um comportamento correcto, porém, alerta a professora, há que sensibilizar os pais. A começar pela promoção do aleitamento materno, explica, que “reforça a presença de bactérias adequadas”, passando por uma introdução alimentar adequada — neste campo, Rosário Monteiro considera que bastará seguir os guiões dos pediatras, profissionais muito conscientes da dieta a seguir.
Amor à comida
A obesidade infantil registou, entre 2008 e 2019, um decréscimo em quase dez pontos percentuais, de 37,9% para 29,6%, segundo dados da COSI (Childhood Obesity Surveillance Initiative). No entanto, os números mantêm-se suficientemente graves para que o assunto permaneça em cima da mesa. E, no actual cenário de confinamento, é expectável que haja um aumento da obesidade infantil, com a redução da actividade física.
“É aconselhável reservar pelo menos uma hora por dia para a actividade física das crianças.” Essa maior mobilidade vai influenciar a forma como o organismo trata a comida ao longo de todo o processo digestivo, além de que, explica, vai contribuir para “regular o metabolismo basal”. Este depende de vários factores, como o género, mas “uma maior massa muscular vai desencadear um melhor metabolismo”.
Porém, os estados de ansiedade associados ao contexto de pandemia podem ter contribuído para um aumento de consumo de alimentos de conforto. O que pode não ser necessariamente mau: “Num caso de depressão, por exemplo, estes alimentos podem ter uma função reguladora.” Afinal, “a comum ideia de recompensa associada a alimentos com açúcares e gorduras” não é descabida, uma vez que “provocam o aumento de dopamina e serotonina”, os neurotransmissores que nos fazem sentir prazer, influenciando o humor, mas também ajudam a regulação do sono e do apetite. Logo, o impacte destes alimentos não é linear, defende Rosário Monteiro.
Certo é que, explica a investigadora, temos uma “relação muito afectuosa com certo tipo de alimentos”.
Também o tempo de sono acaba por se reflectir no metabolismo. E, neste ponto, a investigadora alerta para a necessidade de se “regular os ritmos biológicos”, a começar por “respeitar as horas que devemos dormir: entre sete e oito, no caso de um adulto; pelo menos dez para uma criança em idade escolar”. Afinal, há vários impedimentos para que este processo seja natural, a começar pelo facto de a “exposição à luz estar à distância de um clique”.
Cinco passos contra a obesidade
“A maior dificuldade surge ao fim do primeiro ano, quando a criança é integrada na alimentação familiar”, avalia a professora Rosário Monteiro. Afinal, de pouco serve dar vegetais quando os pais não os comem, deixando cinco dicas para que se consiga levar os miúdos (e toda a família) a cumprir um plano com a saúde em mente.
- “Ler os rótulos” — a maioria dos consumidores não faz uma leitura exaustiva dos rótulos nas embalagens dos alimentos; ao fazê-lo ir-se-á saber que um alimento, mesmo que apresentado como saudável, “tem uma quantidade considerável de açúcares e de gorduras”
- “Fugir aos processados” — é sempre melhor preparar as próprias refeições, “além de ficar mais barato”
- “Promover ingestão de fruta e de vegetais” — segundo a investigadora, o consumo destes dois ainda é muito deficiente
- “Oferecer um grande leque de sabores” — explica Rosário Monteiro que “temos uma apetência natural para o doce”; já o amargo, característico de alguns vegetais, requer mais tempo de habituação e precisa de ser experimentando mais de uma dezena de vezes até que o palato o aceite. Truque: “não desistir”
- “Ter hora das refeições” — criar uma rotina, com horários estipulados para as refeições, vai ajudar a regular o relógio biológico