Voltamos ao espaço da escola
Mesmo que as regras para os exames tenham sido, diria, aliviadas este ano (compreensível e completamente justo), há nestes miúdos, intrinsecamente, o espírito de que a escola é uma coisa para ser levada à sério.
Voltamos à escola. Melhor será dizer ao espaço escola, que da escola nunca nos desligamos desde o dia 13 de março, nem mesmo na calendarizada pausa letiva da Páscoa, indubitavelmente mais intensa do que qualquer outra da qual tenhamos memória. Passamos, depois do fecho da escola, a vivê-la mentalmente de forma mais tecnológica, também com um bocadinho menos de prazer (sim, também sou dada a eufemismos). Computador, e-mails, plataformas e muita ausência de emotividade.
Foi agora muito bom voltar à escola. Mesmo que as máscaras abafem visualmente os sorrisos, os olhares continuam a ser poeticamente as janelas do coração e há neles sorrisos, e ouvimos outras vozes para além das dos familiares, em contexto geográfico normal, ouvimos e pronunciamo-nos em acústica normal mesmo que um pouco abafada, e sem a sonoridade eletrónica e estridente de micros de computadores e de telemóveis.
Estou perante grupos que têm objetivos de futuro a curto prazo bem definidos. E mesmo que as regras para os exames tenham sido, diria, aliviadas este ano (compreensível e completamente justo), há nestes miúdos, intrinsecamente, o espírito de que a escola é uma coisa para ser levada à sério. Não farão exame de Português, mas ouvem e respondem com afinco ao que é trabalhado na aula. Enquanto professora, tenho a jubilosa perceção de que o conhecimento não é neles apenas um elenco de ideias/teorias/suposições/entendimentos para ser aplicado numa folha de linhas, de acordo com o que o examinador decidiu descobrir se o aluno sabe o que o primeiro entende como essencial. O conhecimento é nestas jovens mentes algo que se constrói na procura de uma Verdade, essa muito mais abrangente.
E também quero, e acho que devo, depreender que estes alunos entendem que devem enaltecer o trabalho dos professores que lhes prepararam os materiais, que, no fundo, procuram encontrar tudo o que de melhor lhes poderá servir, que poderá aproximar-se mais deles, dos seus interesses, e fazê-los descobrir outros, e que põem à disposição deles o que há de mais sagrado para um professor: o Saber, que se foi construindo ao longo de uma vida de leituras, de vivências, de humanidade. Também há nos alunos o agradecimento do trabalho em esforço de todos os funcionários e da direção das escolas. Afinal, o futuro ainda não está perdido.
Estou perante uma plateia de intenções universitárias essencialmente na área da saúde, alunos que não me fazem duvidar que, se mantiverem este espírito de integração de qualidade no mundo, serão excelentes profissionais pelos seus conhecimentos técnicos e em atitudes de saber estar e de saber ser. Serão eles servidores de outros, em tempos futuros, de pandemias possíveis ou de estórias individuais de quem deles precise.
Quando me dizem, e também porque eu o digo muitos dias, quando também mais desalentada, que a escola “não diz nada aos alunos”, agora mais concentrada e reflexiva, não posso deixar de refutar frontalmente tal elemento (também penso e digo palermices). O que eu vejo, na verdade, é que pedimos algo errado à escola: pedimos, pois, que faça os alunos terem objetivos de vida! Mas essa não é a função da escola… A escola pode ajudar a mostrar as direções a tomar, ajuda muitas vezes a lapidar incertezas, ajuda de certeza a cimentar quereres e projetos, mas não os tem para dar. É a sociedade, na sua vertente profissional e familiar, que tem de criar espaços à conceção desses intentos… (mas isso seria agora fugir um pouco do propósito valorativo do meu texto em relação à minha plateia na sala de aula e a quem reorganizou a escola, e será assunto, portanto, para outra reflexão).
Haverá razões para alguns alunos não virem à escola, e, seja a pedido deles, seja por decisão dos pais, seja por circunstâncias de saúde específicas, teremos claramente de compreender. Mas não posso deixar de afirmar que, quanto às duas primeiras suposições, as escolas investiram tanto na organização do regresso dos seus alunos em nível de elevada confiança que julgo que pais e alunos deveriam dar-lhes um voto de confiança, que, afinal, também seria um sinal de respeito pela dedicação, neste momento em particular, e por tudo o que fizeram pelos alunos no percurso de 15 ou 16 anos, em que estiveram sempre presentes para eles.
Lia há dias um apontamento de Hemingway sobre a importância de quem partilha connosco as trincheiras e disso ser mais importante do que a própria guerra… corroboro inteiramente dessa ideia. Mesmo que distante esteja do meu parecer de que este momento possa ser o equivalente a uma guerra, e apesar de, afortunadamente, também nunca ter pertencido a um cenário desses, sei muito bem o quão o cuidado de quem nos ladeia na vida pessoal e profissional, em gestos ou palavras, é imprescindível à nossa vida e nos protege e o quão fortalece a nossa luta diária de concretização de objetivos. Tem este empenho de ser recíproco.
Cada um deverá falar por si, mas, neste momento, sinto-me no espaço escola muito segura e mais ainda feliz.