“Em teletrabalho, não ceda à tentação de monitorizar as pessoas, de as pressionar ainda mais”
A especialista em team coaching e liderança de equipas dá algumas pistas para o trabalho à distância, a que as empresas e os seus colaboradores foram obrigados por causa do novo coronavírus.
Doutorada em Comportamento Organizacional pela Universidade de Harvard, por estes dias, Ruth Wageman estaria em Portugal para fazer formação na área dos recursos humanos, em vez disso, desenhou a sua formação para ser feita à distância e desenvolver aquelas que considera serem as seis condições necessárias para impulsionar a eficácia numa equipa, através de uma ferramenta que desenhou com os colegas Richard Hackman e Erin Lehman chamada Team Diagnostic Survey (TDS).
A especialista em team coaching e liderança de equipas, co-autora de livros sobre estes temas, elogia a forma como Portugal está a gerir a crise da pandemia de covid-19 e, ao PÚBLICO, através de uma entrevista por e-mail, dá algumas pistas para que o trabalho à distância, a que as empresas e os seus colaboradores foram obrigados por causa do novo coronavírus, possa ser feito em equipa.
Está familiarizada com a realidade portuguesa?
Sei que tenho ainda muito a aprender sobre a cultura e a economia de Portugal, mas desde já posso afirmar que admiro a forma como o país agiu rapidamente para conter a pandemia do coronavírus. Apresento as minhas condolências a todos os que sofreram perdas e partilho a vossa preocupação com os desafios económicos com que nos deparamos.
O que vai ensinar neste programa de formação?
Neste programa, conduzido por mim e por Krister Lowe, vamos mostrar como desenvolver a liderança colaborativa e como trabalhar com equipas e seus líderes, identificando para isso os pontos fortes de uma equipa, de forma a desenvolvê-los; e os pontos fracos, aquilo que se interpõe no seu caminho, de forma a enfrentar esses desafios. Acredito que todos os problemas e desafios importantes, incluindo os que enfrentamos neste momento, só serão superados através de uma colaboração de excelência – e é essa a nossa missão, trabalhar para levar o conhecimento e a capacidade de formar grandes equipas ao maior número de pessoas possível.
Para os portugueses, e não só, trabalhar a partir de casa é uma novidade. O que é que esta pandemia está a ensinar às empresas e organizações?
Acredito que os fundamentos para a criação de uma boa equipa continuam a ser os seguintes: estabelecer uma “equipa de verdade” (estável, unida e interdependente); dar-lhe um “propósito estimulante”; garantir que contamos com as “pessoas certas”; criar um “contexto de apoio”; providenciar uma “estrutura sólida” e verificar que todos os elementos possuem os recursos de apoio necessários para desenvolverem o seu trabalho; e, por último, proporcionar conhecimentos e práticas de liderança colaborativa e “coaching de equipas” — estas são as seis condições necessárias para impulsionar a eficácia numa equipa e não mudaram só porque as pessoas se encontram hoje a trabalhar a partir de casa.
No entanto, não podemos assumir que o objectivo de uma equipa é o mesmo agora, que o mundo mudou radicalmente e tanto as organizações como a economia atravessam desafios sem precedentes. Então, qual é o objectivo crítico de uma equipa neste momento? O que irá contribuir para o seu sucesso e sustentabilidade da organização? Penso que esta situação conturbada tem muito a ensinar às empresas sobre como liderar através do compromisso, do propósito e da liderança partilhada – e não através do comando e controlo.
Como ser um líder neste contexto de teletrabalho?
Em primeiro lugar, em teletrabalho, não ceda à tentação de monitorizar as pessoas, de as pressionar ainda mais ou, pelo contrário, de as encorajar com excesso de optimismo. Actualmente, todos somos desafiados por múltiplos factores de stress que surgem a partir de casa e/ou causados pelo trabalho. É fundamental darmos um passo atrás e lembrarmos que o principal contributo que os líderes podem dar às suas equipas é um “propósito estimulante”. Neste momento, existem outras coisas que os líderes podem fazer pelas suas equipas, como por exemplo, reafirmar o seu propósito — o que é de facto mais relevante, neste momento? O que é significativo no trabalho que fazemos? A quem é que servimos? Como podemos fazer mais e melhor por estas pessoas?
Nas práticas colaborativas é possível, em vez de reuniões longas, ter contactos mais curtos mas mais frequentes para desenvolverem com eficácia um trabalho interdependente. Muitas equipas beneficiam de novas práticas de trabalho que as mantêm ligadas, sem ficarem sobrecarregadas por demasiadas reuniões.
Os líderes também podem oferecer transparência: o que está a organização a fazer para gerir os actuais desafios? Como estão os seus responsáveis a agir para preservar os postos de trabalho?
E como motivar uma equipa que não partilha o mesmo espaço físico, apenas virtual?
As três principais formas de gerar motivação e compromisso no seio de uma equipa são: assegurar que tem um “propósito estimulante”; atribuir tarefas que sejam genuinamente significativas e interdependentes e permitam a cada um dos elementos utilizar bem os seus talentos; e, por último, demonstrar reconhecimento pelo seu progresso e performance. Penso que tudo isto pode ser bem feito em ambiente virtual, mas é preciso ter alguma intencionalidade e consciência.
Quer dar um exemplo?
Já vi muitos líderes tentarem dividir o trabalho para que as pessoas possam trabalhar de forma mais independente e com menos interacção entre si. Contudo, esta abordagem “quebra” a equipa e acaba por isolar as pessoas que a compõem. Uma prática mais eficaz passa por agrupar as pessoas em pares ou tríades, permitindo-lhes gerir as suas próprias interacções de forma a aportar múltiplas perspectivas ao trabalho de equipa. É igualmente fundamental ajudá-las a definirem objectivos realistas a curto prazo, assim como acompanhar e apoiar o progresso umas das outras.
Em teletrabalho, os colaboradores correm mais risco de se tornarem dispensáveis porque o empregador não os vê? Como fazer-se notar?
Certamente, existirão vários casos de “muito trabalho” nos escritórios, onde algumas pessoas se esforçam por parecer que estão a fazer um trabalho deveras importante, para impressionar as suas chefias mais cépticas. No entanto, isso não acontece quando estão a trabalhar em algo com um impacto real junto do seu público-alvo e junto dos seus superiores. Com base nestas premissas, considero que trabalhar remotamente não significa necessariamente que as pessoas vão parecer dispensáveis, muito pelo contrário – não esqueçamos que neste momento os líderes também se encontram sob stress e continuam a ser responsáveis pela obtenção e apresentação de bons resultados para a organização. E esta missão não pode ser levada a cabo sem uma equipa sólida.
Com esta situação, muitas empresas, e até o Governo Português, estão a aperceber-se que, no futuro, parte das suas equipas poderão continuar a trabalhar em regime de teletrabalho. Que condições devem esses colaboradores exigir? Esta situação dificulta o trabalho em equipa?
O teletrabalho apenas pode dificultar o trabalho em equipa se o permitirmos, isso não tem necessariamente de acontecer. Por exemplo, eu e a minha equipa, trabalhamos muito em ambiente online para criar espaços de trabalho partilhados e conversas entre nós. Neste contexto que atravessamos, considero que os líderes vão precisar de aprender muito mais sobre como podem tornar-se coaches de equipa eficazes (em vez de supervisores) – e acredito até que esta transformação vai ser extremamente positiva, tanto para os líderes como para as suas equipas.