Fotografia
Despovoamento: Joan foi à Lapónia espanhola e viu o futuro pós-apocalíptico do interior
No Centro-Leste da Península Ibérica existe uma zona onde não vive quase ninguém. A série The Last Man on Earth, do fotógrafo espanhol Joan Alvado, é um “retrato distópico” do que serão as áreas despovoadas do futuro.
À luz do confinamento que hoje se vive em Espanha e em tantos lugares à volta do globo, o trabalho de Joan Alvado perde parte do impacto visual que inicialmente oferecia. Afinal, paisagens desprovidas de gente passaram a ser o "novo normal". The Last Man on Earth, porém, não narra a história do isolamento provocado pela covid-19, mas sim de um fenómeno diferente, que permanece actual: o despovoamento do interior.
Existe um grupo de províncias espanholas denominado, informalmente, de Serranía Celtibérica, região que é também conhecida como a Lapónia espanhola ou a Lapónia do Sul. A alcunha deve-se à sua densidade populacional — 7,98 habitantes por quilómetro quadrado, um valor equiparável ao da verdadeira Lapónia finlandesa, junto ao Círculo Polar Ártico.
A Lapónia espanhola abrange uma área total de pouco mais de 63 mil quilómetros quadrados e toca as províncias de Soria, Teruel, Cuenca, Guadalajara, Valência, Castelló, Burgos, Segóvia, Logronho e Zaragoza. Foi o profundo despovoamento do território que atraiu o fotógrafo espanhol Joan Alvado. “Eu comecei a fotografar a região em Dezembro de 2017 e terminei em Janeiro de 2019”, explica ao P3, em entrevista. “Trabalhei, intensivamente, durante dois invernos.” Durante a estação fria, refere, as condições atmosféricas são muito duras – as temperaturas podem atingir os 20 graus negativos – e o isolamento e a solidão são quase palpáveis. No Verão, o cenário altera-se e perde a sua atmosfera pós-apocalíptica; algumas aldeias ficam parcialmente ocupadas com turistas e familiares de habitantes locais.
Joan interessou-se, sobretudo, pela região dos Montes Universais, na intercepção entre Guadalajara, Teruel e Els Ports, uma área montanhosa de Castelló. “Senti-me atraído pelas paisagens daquela zona e queria visitar territórios que fossem, de algum modo, exóticos e raros para mim”, relata. “Gostei especialmente do contacto com a natureza, que engole tudo na ausência do ser humano. A natureza é uma personagem importante naquele contexto.” E tambem nas imagens do projecto The Last Man On Earth ("O Último Homem na Terra", em tradução livre), que esteve em exposição em Paris, a convite do festival de fotografia Circulation(s). Nas fotografias da série, há homens que parecem bichos, bichos que parecem bestas, bestas que parecem frágeis, no meio de grandes lagos gelados ou graves montanhas despidas. Há névoa, gelo, abandono. Há sangue, fumo e fogo.
Apesar de, no fundo, o projecto se debruçar sobre o tema do despovoamento do interior de Espanha, Joan nunca teve como objectivo “denunciar um problema social”. Porque “este não é um problema novo ou exclusivamente espanhol”. “O êxodo rural é tão antigo quanto a industrialização. E, vendo bem, o despovoamento não é mais do que o reverso da sobrepopulação que se verifica nos grandes centros urbanos.”
Quem vive na Lapónia espanhola – sobretudo homens e mulheres idosos – enfrenta, diariamente, desafios ao nível dos transportes e dos serviços de saúde. “Em muitas aldeias onde vivem, por vezes, apenas 15 pessoas passa um autocarro por dia. Os médicos só visitam uma vez por semana.” As poucas crianças que Joan viu, ao longo de dois anos, são forçadas, em muitos casos, a frequentar escolas de aldeias vizinhas. É raro ver chegar “sangue novo” a estes lugares. “São médicos, professores, jovens que procuram modos de vida alternativos, longe da cidade.” Mas a maioria acaba por rumar a outras paragens.
Joan Alvado, que se dedica sobretudo a temas relacionados com a ruralidade espanhola (como é o caso do projecto Escola de Pastors, que publicou no P3 em 2018), crê que algumas medidas de investimento em infra-estruturas, transportes, comunicação e tecnologia poderiam atenuar estas assimetrias a curto prazo e atrair gente para o interior. “O meu projecto pode ser lido como uma provocação”, ressalva. É como um “retrato distópico” do que serão as áreas despovoadas do futuro. “A um nível metafórico, eu diria que esta é uma história sobre ‘o Inverno da vida’.”