Covid-19: remdesivir poderá ser autorizado para tratamentos nos EUA
Os resultados iniciais de um ensaio clínico com remdesivir mostraram um impacto “significativo e positivo” na diminuição do tempo de recuperação dos doentes com covid-19.
Perante uma situação de emergência devido à pandemia de covid-19, a entidade reguladora do mercado farmacêutico dos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA), planeia autorizar o uso do medicamento remdesivir para o tratamento de doentes infectados pelo novo coronavírus, depois de um ensaio clínico ter revelado que as pessoas administradas com este medicamento demoravam menos tempo a recuperar da doença.
A notícia é avançada pelo diário New York Times, que revela, citando uma fonte oficial do Governo norte-americano, que a FDA deverá anunciar ainda esta quarta-feira a atribuição de uma autorização para o uso do remdesivir — um medicamento experimental desenvolvido para o combate ao ébola, que está a ser testado no tratamento de doentes com covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus.
O jornal explica que a atribuição de uma “autorização de emergência” por parte da FDA (como aquela que é esperada) não corresponde ao mesmo que uma aprovação formal de um medicamento pela agência norte-americana. Isto porque quando o governo federal declara uma situação de emergência de saúde pública, a FDA pode aprovar determinados medicamentos ou testes para dar resposta à emergência caso não haja outras alternativas. É o caso da actual pandemia de covid-19, uma vez que nenhum medicamento ou vacina mostrou ainda ser eficaz contra o novo coronavírus. Assim sendo, o remdesivir poderá eventualmente vir a ser o primeiro tratamento aprovado para a covid-19.
Esta quarta-feira, o Presidente Donald Trump e Anthony S. Fauci, um respeitado imunologista e director do Instituto Nacional para as Alergias e Doenças Infecciosas (INAD), revelaram que os resultados iniciais de um ensaio clínico com remdesivir mostraram um impacto “significativo e positivo” na diminuição do tempo de recuperação dos doentes com covid-19.
O estudo de larga escala envolveu 1063 doentes com covid-19 espalhados pelo mundo, de acordo com o INAD. Em média, o grupo que foi tratado com remdesivir teve alta hospitalar em 11 dias. No grupo que tomou o medicamento placebo, os doentes tiveram alta do hospital, em média, em 15 dias.
Durante uma conferência de imprensa na Casa Branca, Anthony S. Fauci alertou que o estudo ainda tem de ser revisto pelos pares, mas revelou que os resultados são promissores e que o medicamento mostrou ter “um efeito claro, significativo e positivo na diminuição do tempo de recuperação”. Anthony Fauci destacou até que os resultados “foram tão promissores” que, neste caso, há “uma obrigação ética de dar conhecimento imediato ao grupo placebo para que este possa ter acesso” ao medicamento.
Segundo Anthony S. Fauci, os resultados demonstraram que o medicamento remdesivir poderia diminuir em cerca de um terço o período de recuperação da doença. “Embora uma melhoria de 31% não pareça uns estonteantes 100%, corresponde a uma validação muito importante do conceito porque o que comprovou foi que um medicamento consegue bloquear o vírus”, disse Fauci, mostrando-se “muito optimista”.
Donald Trump também considerou que os resultados do estudo são promissores. “É certamente um acontecimento muito positivo”, disse. Já na tarde desta quarta-feira, durante uma reunião na Casa Branca, o Presidente norte-americano disse que pretende que a FDA actua “o mais rápido possível” no que diz respeito à potencial aprovação do remdesivir para o tratamento da covid-19, revela a agência Reuters. Sublinhando a importância da segurança neste tipo de procedimentos, Trump afirmou, por outro lado, que gostaria de ver a serem atribuídas aprovações “muito rapidamente”, especialmente no que diz respeito a medicamentos “que funcionam”.
Resultados contraditórios?
Um outro estudo, conduzido em dez hospitais de Hubei, na China, e publicado esta quarta-feira na revista científica Lancet, questiona a eficácia do medicamento no tratamento de pacientes com covid-19 em estado grave, deixando, porém, em aberto a possibilidade de o remdesivir poder ser eficaz noutros casos.
Entre 6 de Fevereiro e 12 de Março de 2020, participaram neste estudo 237 pacientes, que foram aleatoriamente incluídos nos dois grupos de tratamento — 158 para serem tratados com remdesivir e 79 que receberam o placebo. Os autores do artigo concluíram que “o uso de remdesivir não foi associado a uma diferença no tempo de melhoria clínica”. “Neste estudo com pacientes adultos internados no hospital com covid-19 severa, o remdesivir não foi associado a benefícios clínicos estatisticamente significativos. No entanto, a redução numérica no tempo de melhoria clínica naqueles [doentes] que foram submetidos a tratamento mais cedo exige confirmação em estudos maiores”, acrescentam. Porém, segundo o New York Times, a amostra de pacientes que participaram neste estudo não era suficiente.
“Infelizmente, o nosso estudo revelou que, embora seja seguro e adequadamente tolerado, o remdesivir não forneceu benefícios significativos além do placebo”, disse ao New York Times Bin Cao, o principal autor do estudo. “Este não é o resultado que esperávamos”, concluiu.
"Dados positivos”, mas é preciso cautela
A empresa empresa de biofarmacologia norte-americana Gilead Sciences, que desenvolveu o remdesivir, disse em comunicado estar “a par de dados positivos que emergiram” do ensaio clínico (referido inicialmente) supervisionado pelo INAD. “Entendemos que o estudo alcançou o seu objectivo primário e que o INAD irá fornecer informação detalhada numa próxima conferência de imprensa”, notou.
A empresa recorda, porém, que o remdesivir ainda não está licenciado nem aprovado nos Estados Unidos nem em nenhum outro país “e ainda não demonstrou ser seguro ou eficaz para nenhum uso, incluindo no tratamento da covid-19”.
“Conforme fizemos desde o início da pandemia, temos vindo a partilhar informação, de forma transparente e à medida que fica disponível, com a Administração, outros agentes e o público”, acrescentou um representante da Gilead Sciences num e-mail enviado esta quarta-feira ao New York Times.
Já o porta-voz da empresa, Ryan McKeel, destacou que a Gilead Sciences não pode especular sobre as próximas acções que serão tomadas pelo governo federal. “No entanto, continuamos a discutir com eles o crescente corpo de provas para o [uso do] remdesivir como um potencial tratamento para a covid-19, com o objectivo de tornar o remdesivir mais abrangente e disponível para pacientes que necessitam urgentemente de tratamento”, acrescentou citado pelo mesmo jornal.
O New York Times refere que foram divulgados alguns relatos, nomeadamente em publicações prestigiadas como a revista New England Journal of Medicine, que davam conta de pacientes que alegadamente tinham recuperado após tomarem remdesivir, embora os resultados fossem, na verdade, incertos — o que abalou a confiança e credibilidade dos estudos sobre este medicamento.
Porém, revela-se essencial os estudos compararem os efeitos do medicamento remdesivir e de um placebo nos doentes, de forma a averiguar se os pacientes melhoraram devido ao efeito do medicamento ou apenas com a ajuda de cuidados médicos básicos.