SARS-CoV-2 detectado em suspensão no ar. A questão é se é transmissível

Mesmo que ainda não se saiba se o novo coronavírus em aerossóis analisados na China é infeccioso, os cientistas recomendam que se ventilem espaços fechados e se usem máscaras como medidas de prevenção.

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Cientistas recomendam o uso de máscara como medida de prevenção ALEX PLAVEVSKI/Reuters

Uma equipa de cientistas da China detectou a presença do vírus SARS-CoV-2 em aerossóis em dois hospitais na cidade de Wuhan, o epicentro inicial da pandemia de covid-19. Contudo, os investigadores avisam que este trabalho publicado na revista científica Nature não demonstra que o novo coronavírus seja transmissível neste contexto. Mesmo assim, para reduzir a exposição aos aerossóis, os cientistas recomendam que se ventilem os espaços fechados e se usem máscaras como medidas de prevenção.

O SARS-CoV-2 espalhou-se de forma rápida à escala global. Sabe-se que pode ser transmitido através de gotículas respiratórias, contacto directo com pessoas infectadas ou superfícies contaminadas com o vírus. A transmissão por aerossóis (partículas aéreas de muito pequena dimensão que pairam no ar) também tem sido sugerida como uma forma de contágio em espaços confinados, mas ainda se sabe pouco sobre este processo. “Actualmente, sabe-se pouco sobre as características aerodinâmicas e padrões de transmissão do SARS-CoV-2 em aerossóis, em parte devido às dificuldades na amostragem”, refere-se no artigo científico.

Para este estudo, mediu-se o ARN (material genético) viral do SARS-CoV-2 em aerossóis em diferentes áreas de dois hospitais só usados para tratar doentes com covid-19 (um deles para doentes graves e outro era um estádio convertido para tratar pacientes com sintomas ligeiros), bem como em duas áreas públicas de Wuhan. Ao todo, a equipa retirou 40 amostras de 31 locais entre Fevereiro e Março.

Dentro e fora de hospitais

Em geral, a concentração do ARN viral nos aerossóis nas áreas para doentes ventilados era muito baixa. A equipa justifica-o devido ao isolamento e a uma elevada troca de ar. Já nas casas de banho dos doentes, que não são ventiladas, havia “uma elevada concentração”. “O SARS-CoV-2 que paira no ar pode vir da respiração do doente ou da aerossolização de aerossóis com vírus das fezes ou da urina do doente”, refere-se no artigo.

Também se viu que o ARN viral está especialmente concentrado em áreas usadas pelos profissionais de saúde para tirar o equipamento de protecção, o que sugere que partículas possam ficar suspensas quando esse equipamento é removido. Mas a equipa avisa que, após o aumento da higienização dessas áreas, deixou de se detectar a presença do vírus.

“O vírus existe em forma de aerossol a pairar no ar e pode ser encontrado na área dos profissionais de saúde através da transmissão por deposição na superfície e em suspensão”, resume ao PÚBLICO Zhi Ning, investigador da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong e um dos autores do artigo.

Já as concentrações de ARN viral nos espaços públicos fora dos hospitais (como supermercados) eram geralmente baixas. Apenas duas áreas sujeitas à passagem de um grande número de pessoas (incluindo um espaço ao ar livre próximo de um hospital) tinham concentrações mais elevadas. Mesmo assim, Zhi Ning faz questão de dizer que essas concentrações “não eram muito elevadas”. A equipa adianta ainda que essas concentrações devem ser oriundas de doentes com covid-19 que passaram por essas áreas.

Quanto à transmissão, este estudo não investigou se o SARS-CoV-2 em aerossóis tem um potencial infeccioso. “Não estudámos o padrão de transmissão através de aerossóis ou a interactividade do vírus em humanos sob a forma de aerossóis. Isto será para o futuro: é importante ganharmos mais conhecimento do ARN viral no ar”, informa Zhi Ning.

Apesar de a amostra do actual estudo ser pequena e não se explorar a infecciosidade do vírus em suspensão no ar, o cientista diz que o trabalho já mostra que é essencial que se ponham em prática medidas de prevenção como o uso de máscaras e a limpeza de superfícies. No artigo científico apela-se ainda para a importância da ventilação dos espaços fechados, da desinfecção das casas de banho, da higienização do vestuário de protecção dos profissionais de saúde ou que se evitem multidões.

O que diz a OMS

Num resumo científico do final de Março, a Organização Mundial da Saúde indicou que a transmissão através de aerossóis com partículas de vírus com menos de cinco micrómetros de diâmetro “podia ser possível em circunstâncias específicas e contextos em que se gerem aerossóis”, nomeadamente em certos contextos médicos, como quando se está a intubar um doente infectado. Por isso, recomendava precauções nessas circunstâncias. Enquanto as gotículas são mais pesadas e viajam a pequenas distâncias quando alguém tosse ou espirra, os aerossóis podem ficar mais tempo no ar e viajar por distâncias maiores. Esse resumo também referia que a análise a mais de 75 mil casos de covid-19 na China não encontrou provas de que existisse transmissão através de aerossóis.

Também o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças e os Centros de Prevenção e Controlo de Doenças dos Estados Unidos recomendam precaução para qualquer situação que envolva doentes com covid-19 e se ponham em prática certas medidas como o uso de máscaras cirúrgicas. 

Diferentes cientistas alertaram no site da revista Nature que a recolha de dados suficientes que mostrem mesmo se o vírus pode ser transmissível através de aerossóis irá demorar e poderá custar vidas. “No entendimento dos cientistas que trabalham nesta área, não há dúvida absolutamente nenhuma de que o vírus se espalha no ar”, diz Lidia Morawska, cientista especialista na área na Universidade de Tecnologia de Queensland, na Austrália. Como tem de existir uma combinação certa de fluxo de ar, humidade e temperatura, a cientista diz que é “extremamente difícil” capturar pequenas concentrações de aerossóis. Por isso, sugere que se aumente a ventilação nos espaços interiores para garantir que os aerossóis infecciosos sejam eliminados. 

Já Julian Tang (virologista da Universidade de Leicester, no Reino Unido) realça que os aerossóis podem ser produzidos enquanto falamos e respiramos e que isso pode implicar “um maior risco”. Afinal, quando alguém espirra ou tosse, afastamo-nos. Já quando falamos com alguém, isso não acontece. O virologista refere que se deve assumir que essa transmissão existe para que se tomem medidas de precaução e que a longa duração à exposição deve ser um factor importante.

Por outro lado, o virologista Leo Poon não acha que existam provas suficientes para se dizer que o SARS-CoV-2 se transmite através de aerossóis. O investigador da Universidade de Hong Kong gostaria de ver mais experiências que comprovassem se o vírus é infeccioso em gotículas de diferentes tamanhos.

Além do estudo publicado esta segunda-feira na Nature, investigadores da Universidade do Nebraska (nos Estados Unidos) descobriram ARN viral em quase dois terços de amostras de aerossóis de quartos de isolamento num hospital que trata doentes com formas graves de covid-19 e numa instalação que tem pessoas com sintomas ligeiros em quarentena. Também se recolheram amostras com o vírus na superfície das grelhas de ventilação. Contudo, em culturas de células nenhuma das amostras se mostrou infecciosa, segundo este trabalho publicado num repositório de biomedicina de acesso aberto (medRxiv).

Já num outro estudo – também citado no site da Nature – de amostras recolhidas em quartos de isolamento de um centro para tratamento de pessoas com covid-19 em Singapura não foi detectada a presença do vírus. Ainda num trabalho publicado este mês na revista The New England Journal of Medicine referia-se que, em experiências, o SARS-CoV-2 podia pairar em aerossóis até três horas e permanecer infeccioso. Outros estudos sobre a transmissibilidade se seguirão. 

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