Coronavírus
Multidões, bastonadas e muito trânsito: a realidade do confinamento na Índia
Um fotógrafo indiano fez, a pedido do P3, um retrato cru da realidade que se vive na cidade onde nasceu, Baruipur, a 30 quilómetros de Calcutá. “A multidão está fora do controlo da polícia, que, por vezes, recorre ao uso dos bastões.”
A cidade de Baruipur, a 30 quilómetros de Calcutá, está – à semelhança de todas cidades indianas – sob fortes medidas de restrição desde 24 de Março, devido à pandemia de covid-19. Cerca de 60 mil habitantes, que se dedicam sobretudo ao sector agrícola e frutícola, vêem os seus movimentos condicionados e os negócios em risco de ruína. O fotógrafo indiano Supratim Bhattacharjee fez, a pedido do P3, um retrato exclusivo do confinamento na sua cidade e documentou os desafios do Governo local em controlar a "grande e indisciplinada multidão" que continua a expôr-se ao perigo de contágio nas ruas e mercados.
“Apesar dos programas de consciencialização organizados e divulgados pelo Governo indiano, as autoridades policiais de Baruipur continuam a deparar-se com um elevado número de pessoas a desobedecer ao protocolo”, explica o fotógrafo. Não porque não temam o vírus, mas porque precisam de se abastecer e não encontram ou não podem pagar pelos materiais de protecção, como máscaras e gel desinfectante para as mãos, que são escassos e vendidos a preços inflaccionados no mercado negro. “Muitos comerciantes estão a manter os seus negócios abertos, atraindo quem, não conhecendo a data de término do período de confinamento, sente necessidade de encher as despensas.” Em consequência, explica Bhattacharjee, “os preços de alguns produtos estão a subir acentuadamente – chegando a registar aumentos de 30% – e anuncia-se uma crise de abastecimento para um futuro próximo”.
O Governo local determinou que o mercado municipal deveria manter-se aberto apenas entre as 6 e as 9 horas, medida que provoca, ao contrário do que seria desejado, verdadeiros “engarrafamentos” no acesso aos bens. “São perto de 15 mil os consumidores que ainda frequentam o mercado, diariamente”, descreve. “E a multidão está fora do controlo da polícia, que dispõe de poucos meios. Por vezes, os agentes recorrem ao uso dos bastões para admoestar pessoas que consideram terem saído de casa desnecessariamente.” “São violentos, mas nunca o foram diante de mim, graças à minha câmara. Mas ouvi inúmeros relatos, na primeira pessoa, de incidentes desse género.”
Se, por um lado, a polícia controlava o uso do bastão diante da lente do fotógrafo, por outro, parte da população fazia questão de não figurar nas imagens de Bhattacharjee. “Sempre que tentava tirar uma fotografia no mercado, por exemplo, as pessoas tentavam esconder o rosto, com medo de que o Governo as identificasse a partir das imagens e fossem, a posteriori, penalizadas. Muitos pensaram que eu trabalhava para a administração local.”
As condições de trabalho na região também sofreram deterioração, segundo o fotógrafo. “Baruipur tem boas ligações ferroviária e rodoviária a Calcutá, mas os agricultores têm dificuldade em chegar à cidade.” Porque as estações de comboio se encontram encerradas e a polícia controla as estradas, muitos agricultores são forçados a escoar os seus produtos na periferia de Baruipur, o que se traduz “em grandes perdas para agricultores e revendedores” devido à abundância pontual de bens em áreas específicas e de baixa procura. O desemprego começa também a afectar a população. “Os trabalhadores que dependem de rendimento diário, da jorna, perderam a sua fonte de rendimento.”
No sentido de aliviar as consequências imediatas da crise, o Governo indiano decretou a atribuição de um subsídio mensal de 500 rupias, cerca de seis euros, durante três meses, às famílias mais carenciadas – em conjunto com cinco quilogramas de arroz. “Uma oferta irrisória face às verdadeiras necessidades das pessoas”, comenta o fotógrafo. “E, para poderem recolher essa ajuda, formam longas filas, desrespeitando as regras de distanciamento social.” Nas imagens de Bhattacharje, essas são visíveis diante dos bancos e postos de racionamento entretanto criados.
Não há evidências que apontem para a existência de infectados pela covid-19 em Baruipur. No entanto, “as pessoas deixaram de frequentar os hospitais – mesmo aquelas que têm problemas graves de saúde, devido ao medo de contágio ou da obrigação do cumprimento de período de quarentena”. “Têm medo de ser afastados ou marginalizados pela sociedade.” Chegam relatos de outras cidades do estado de Bangal que dão conta de situações de discriminação da parte de vizinhos, que impedem suspeitos de infecção de entrar nas suas próprias casas, refere o fotógrafo.
Com o medo, proliferam as superstições. “Muitos indianos crêem que um banho no rio Ganges, que tem águas sagradas, é capaz de lavar todos os pecados e restituir a saúde”, explica o fotógrafo. “Alguns aldeãos têm levado as suas crianças até ao afluente que passa por Baruipur, acreditando que irá livrá-las da infecção.”
Actualmente, a aldeia de Mallickpur, nos arredores da cidade, encontra-se sob cerco sanitário devido a suspeitas de infectados pela covid-19. “A informação não é oficial”, salvaguarda Supratim. “Mas as pessoas de Mallichpur não estão autorizadas a sair e ninguém externo à aldeia pode entrar.” As estradas de acesso estão cortadas e mantêm-se sob vigilância policial. "Temo que, se a populosa região de Baruipur vier a ser afectada pela covid-19 de forma generalizada, a situação possa dar uma reviravolta mortal — e que as consequências venham a ser muito mais graves do que aquelas a que assistimos nos países ocidentais", conclui.