Indústria está de regresso sem saber quando volta a ter clientes
Inquérito sugere que 90% das empresas preparam retoma. Grandes, como a Autoeuropa, e fábricas mais pequenas enfrentam porém um duplo desafio.
Todos querem regressar ao trabalho, mas a equação da indústria portuguesa tem uma grande incógnita: e os clientes, quando voltam?
Augusto Ribeiro, empresário de móveis no Norte, teve de fechar a loja e de reduzir o trabalho na fábrica por causa da pandemia. Espera reabrir a loja no início de Maio, mas sabe que os clientes não vão aparecer. “Isto vai demorar uns meses a normalizar”, vaticina.
A fábrica em Paredes nunca parou, apesar de muitas encomendas terem sido canceladas. “Tivemos de reduzir as horas de trabalho e sabemos que voltar a pôr esta roda a andar vai demorar tempo, porque reabrir a loja ou ter uma fábrica operacional não garante clientes a ninguém.”
Por falar em roda, em Palmela reabriram as portas da Autoeuropa, que tinham fechado a 16 de Março. A dimensão da maior exportadora nacional é estratosférica comparada com os móveis de Augusto Ribeiro, mas essa diferença de tamanho é útil para se perceber que o dilema maior é transversal à manufactura.
Na reabertura, a fábrica da Volkswagen em Portugal explicou mudanças aos trabalhadores e entregou-lhes kits de segurança. Só na terça-feira se volta às linhas de montagem, mas em versão reduzida e longe da média de 890 carros por dia. A razão é a mesma: não há clientes, até para uma fábrica que exporta praticamente tudo o que produz.
“Esta semana vamos ter apenas dois turnos (cerca de 2300 trabalhadores). Na próxima semana, faremos a rotação e virão outros dois turnos. No entanto, nas próximas duas semanas estes turnos serão de apenas seis horas”, explicou o coordenador da Comissão de Trabalhadores da Autoeuropa, Fausto Dionísio.
O regresso à laboração contínua, com cerca de 5600 trabalhadores e 19 turnos semanais, só deverá acontecer em Junho. A abrupta travagem provocada pela pandemia de covid-19 conduziu a um choque na procura e a compra de carros caiu a pique, como o mostram os dados nacionais e europeus.
Como disse fonte da Autoeuropa ao PÚBLICO, o regresso dos consumidores vai demorar. Pelo que, em Palmela, que recorreu ao layoff assegurando que ninguém perde salário, a retoma gradual foi a decisão mais lógica.
Estes dois exemplos, tão diferentes em tudo, mostram como o regresso ao trabalho é um duplo desafio para todos, sanitário e económico, independentemente do tamanho, do sector, do produto.
Nas últimas duas semanas, outras empresas grandes, como a Bosch, também reabriram. Porém, o grupo com fábricas em Braga, Ovar e Aveiro enfrenta o mesmo dilema dos exemplos anteriores. “Vamos deixar de ter o problema dos materiais e vamos ter um problema da [falta de] encomendas”, reconhecia Jónio Reis, responsável da Bosch Termotecnologia, em Aveiro, em declarações ao jornal Eco.
Algumas empresas respondem à falta de procura com um golpe de rins, aventurando-se a produzir outras coisas.
Foi nisso que apostou a têxtil Coindu, que tem duas unidades no Norte e outras fábricas no estrangeiro. Depois de um layoff em que mandou 2300 pessoas para casa, regressou gradualmente, já não para fornecer tecidos ao sector automóvel, que é a sua especialidade, mas para produzir máscaras sociais certificadas.
“Comprar um automóvel não estará hoje no topo das nossas prioridades. Todos tememos uma segunda vaga, catalisando a incerteza dos cidadãos de todos os países”, argumenta António Cândido Pinto, responsável operacional da empresa, que lida com uma “queda vertiginosa” nas vendas. Antevendo que a retoma na produção e comércio de carros “tardará alguns meses”, como diz ao jornal O Minho, a administração investiu numa “linha automática” para diversificar a produção.
Foi também isso que fez a Petratex, de Paços de Ferreira, visitada esta segunda-feira pelo primeiro-ministro e o número dois no Governo, o ministro da Economia. A moda de luxo e de desporto deu lugar às máscaras contra a covid-19. A empresa, que se destaca pelo desenvolvimento tecnológico, tem quatro máscaras certificadas.
Num inquérito da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, 87% dos empresários apoiam a redução das restrições e a retoma da actividade, até porque 26,9% dizem não ter liquidez para resistir mais de 30 dias sem apoios. Mas incerteza sobre quando regressam os clientes leva os industriais a ser cautelosos neste regresso.
Tal é também o caso da Continental, em Famalicão, igualmente visitada por Costa e Siza Vieira. Neste caso, que é uma das maiores exportadoras nacionais, os trabalhadores foram divididos em dois grupos, que trabalharão de forma alternada, tal como sucede na Autoeuropa.