Penny Dreadful mudou-se para Los Angeles e abraça o culto da Santa Muerte
Depois de três temporadas com o gótico do século XIX, a série salta para o século XX e para a Califórnia – mas não deixa o sobrenatural para trás. O protagonista Daniel Zovatto lembra ao PÚBLICO: “Há monstros que vivem entre nós”.
Entre 2014 e 2016, as personagens da ficção gótica do século XIX povoaram livremente a série Penny Dreadful. Produzida para a Showtime (EUA) e para a Sky (Reino Unido), encontrou nos anos seguintes um novo público, em constante renovação e crescimento, na Netflix. Agora, é a vez de outro serviço de streaming, a HBO Portugal, albergar novas histórias do franchise. Penny Dreadful: City of Angels tinha chegada agendada para esta segunda-feira, mas a estreia da nova história centrada no folclore mexicano foi antecipada online nestes tempos de vírus e confinamento e já passou o fim-de-semana a ser vista. Daniel Zovatto, um dos seus protagonistas, falou há dias com o PÚBLICO por telefone, a partir do seu próprio isolamento sanitário nos EUA.
“Tenho estado em casa nas últimas seis, sete semanas. Estou a fazer o meu papel”, explicou antes de uma conversa sobre o seu outro papel, desta feita numa série que já devorava antes de ser convidado para encarnar o polícia Tiago Vega. “Adorava a Eva Green, acho que toda a gente a adora”, ri-se sobre a protagonista da série original, “e sou um grande fã do trabalho de John Logan”, o criador das três primeiras temporadas e, agora, da nova antologia. Zovatto, que tem no currículo filmes de horror e séries como Agentes da S.H.I.E.L.D e Fear the Walking Dead, reconhece que Penny Dreadful tem sobrenatural, “mas um pouco mais de História, aproxima-se do mundo real”.
Este é um cenário já distante dos penny dreadfuls, os folhetins baratos britânicos do século XIX que continham histórias sangrentas e que John Logan povoou televisivamente com personagens como Dorian Gray, Van Helsing, Renfield, Frankenstein ou Drácula. É um mundo mais próximo do de hoje,com racismo, gentrificação... e a Santa Muerte em plena Califórnia.
Este spin off transfere Penny Dreadful para Los Angeles – o que é que a cidade oferece a uma série que tem elementos sobrenaturais tão vincados?
As primeiras três temporadas baseavam-se em personagens que conhecíamos da literatura mas aqui estamos num terreno diferente. O criador é o mesmo, John Logan, e há elementos sobrenaturais como a Santa Muerte e a personagem de Natalie Dormer [A Guerra dos Tronos, Jogos da Fome] que interpreta a irmã de Santa Muerte [a divindade mexicana que personifica a morte], Magda. Mas é um universo e uma antologia diferente. É sobre olharmos para dentro de nós e ver que há monstros que vivem entre nós. É uma mistura de elementos históricos sobre Los Angeles começar a ser construída como cidade em 1938 e de uma parcela sobrenatural que lhe dá o factor Penny Dreadful.
O que podemos saber sobre a Santa Muerte na mitologia da série?
A Santa Muerte significa muito, especialmente para a cultura mexicana. Eu sou da Costa Rica e conhecia-a vagamente, e ao Dia dos Mortos. Mas para os mexicanos que a seguem, que rezam diariamente à Santa Muerte, cada cor significa uma coisa diferente – protecção, dinheiro. Na história, ela cria uma ligação entre o reino invisível e o reino em que vivemos. A minha mãe, interpretada por Adriana Barraza, é muito ligada à Santa Muerte, e a minha personagem luta com o significado da Santa Muerte desde que teve um encontro com ela quando era menino.
Qual o papel da sua personagem, o primeiro agente mexicano-americano na polícia de Los Angeles, nesse arco narrativo mais alargado e sobrenatural da série?
É uma pessoa muito determinada, vive em questionamento: o que é ser suficientemente mexicano, suficientemente chicano, suficientemente americano, suficientemente polícia? Não tem grandes referências e na altura a força policial era totalmente racista, mas felizmente encontra um parceiro na personagem Lewis [interpretado por Nathan Lane], que é o único que o tenta integrar. Tem muitas dificuldades, vive em constante conflito. Perdeu o pai quando era pequeno e é aí que encontra a Santa Muerte; quando se torna detective lida logo com um homicídio sangrento... É assim que começamos.
Quando recebeu o guião, que temas mais o entusiasmaram? E quais lhe parece que, perante o produto acabado, foram de facto explorados de forma recompensadora?
Uma das coisas que mais me entusiasmou, na verdade, foi mesmo trabalhar com John Logan, um mestre na sua arte. É muito versátil na forma como escreve e, no que toca aos temas, ele explora muitos. [Entusiasmou-me] o simples facto de estar sob o controlo dele, sob o mundo dele, sob as palavras dele. Como criador e produtor, está muito presente, é muito atento ao pormenor, dos sapatos à música. Como escreve cada fala, cada palavra, a forma como ele trabalha o tema é única, porque consegue captar coisas que seriam difíceis ao juntar o sobrenatural e a verosimilhança histórica.
John Logan disse numa entrevista que apesar de Penny Dreadful ser uma série de época há questões políticas ou raciais que evocam o presente dos EUA. Ouviu esses ecos no seu trabalho?
Nos últimos anos, vivendo nos EUA, vê-se muita coisa a mudar politicamente. As minorias são sempre as mais afectadas e há 90 anos havia muitas semelhanças. Ainda lidamos com o racismo, ainda se tenta construir um muro e criar divisões entre as pessoas. Acho que há muitas semelhanças, para algumas pessoas serão mais evidentes e terão mais impacto e outros espectadores vão apenas ver a série pelo que ela é. Não é uma série com agenda política: contém referências políticas e relaciona-se com o que se passa hoje, mas é uma série que fala por si sem essas sugestões.
Uma série que fala por si: o que é que ela diz, como a descreveria então?
É uma série única. Vivemos num mundo em que estamos sempre a tentar definir as coisas, e esta série é uma nova abordagem a uma nova ideia. O que inspirou o John [Logan] foi o que estava a acontecer na América na altura, e os paralelos com a construção da primeira auto-estrada em Los Angeles, em 1938, e o que isso causou – todos os que viviam perto da zona de construção sofreram com a gentrificação, os mais pobres foram expulsos. John inspirou-se no que acontece agora mas alguém que vive em Portugal não verá esses aspectos como quem vive e nos EUA porque não vivemos as mesmas coisas, politicamente. Penny Dreadful é um mundo único com elementos sobrenaturais e que nos leva para trás no tempo.