Moro pôs um pé de fora do Governo e causou um pequeno sismo político no Brasil
Chegou a ser dada como certa a demissão do ministro da Justiça, após mais um desentendimento com Bolsonaro. Mas há dúvidas sobre o que passou. Espera-se para ver o que fará o Presidente.
O Governo brasileiro passou por mais um dia de extrema turbulência, com a divulgação do embate entre o Presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Justiça, Sergio Moro, por causa do director da Polícia Federal. A imprensa brasileira avançou que Moro apresentou a demissão, mas a notícia não foi confirmada pelo gabinete de imprensa do ministério.
A notícia da demissão, avançada pela Folha de São Paulo, no dia em que a pandemia de covid-19 mais matou no Brasil (407 mortes em 24 horas), deixou o cenário político em ebulição. Tudo começou com a intenção de Bolsonaro em substituir nos próximos dias Maurício Valeixo, um aliado de Moro, por alguém da sua confiança. O Presidente informou Moro da sua decisão nesta quinta-feira, segundo a Folha. O ex-juiz federal ficou "perplexo” com a decisão e apresentou a demissão, por considerar tratar-se de uma tentativa para o enfraquecer politicamente. Não é a primeira vez que Bolsonaro ensaiou mudanças na cúpula da PF.
O Presidente tentou travar a demissão e encarregou os ministros da Casa Civil e da Secretaria do Governo, ambos militares, de convencer Moro a manter-se no cargo. Os seus aliados, porém, dizem que o ministro sairá caso Bolsonaro avance realmente com a substituição do comando da Polícia Federal.
A possibilidade da demissão de Moro deixou parte das hostes bolsonaristas em convulsão. A deputada Carla Zambelli, por exemplo, chegou a publicar no Twitter um apelo para que o ministro recuasse, mas acabou por apagar a mensagem.
Ao PÚBLICO, o deputado Capitão Augusto, líder da chamada “bancada da bala” no Congresso, disse ter falado com Moro, que lhe garantiu que irá permanecer no Governo. Os dois tinham uma reunião agendada para a próxima semana.
Os avanços e recuos sugerem um de dois desfechos para o confronto: ou Moro se conformou com a saída de Valeixo e manteve-se no cargo, ou Bolsonaro desistiu da substituição do comando da PF para manter o seu ministro. De imediato, não houve comentários oficiais do Governo às notícias da demissão de Moro nem a confirmação da saída de Valeixo. O único efeito prático aparente foi mais uma subida da cotação do dólar face ao real para 5,51 reais.
Caso se confirme, a saída de Moro significaria a segunda demissão de um ministro em uma semana, após o titular da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ter sido afastado por Bolsonaro por desacordo quanto à forma de combater a pandemia da covid-19.
Confronto nos bastidores
Moro e Bolsonaro protagonizam há meses um braço-de-ferro silencioso nos bastidores do Governo. O ex-juiz, que se notabilizou à frente da Operação Lava-Jato, entrou na política com o estatuto de ministro-estrela do Executivo de Bolsonaro, com mandato para pôr cobro à corrupção nos cargos públicos e mão pesada para a criminalidade urbana.
A memória da Lava-Jato no imaginário de grande parte da sociedade brasileira permitiu a Moro gozar de uma enorme popularidade, mesmo perante a quebra da aprovação do Presidente. A luta pelo protagonismo no seio do Governo é uma das dimensões do embate entre Bolsonaro e Moro. Uma sondagem de Dezembro da Datafolha mostrava que a gestão do ministro da Justiça era aprovada por 53% do eleitorado, enquanto o chefe de Estado era aprovado por 30%.
Aliados do ministro acusam Bolsonaro de ter mostrado pouco empenho para que o chamado pacote anti-crime, um conjunto de medidas emblemáticas que Moro queria aprovar no ano passado, fosse viabilizado no Congresso. O pacote acabou por ser aprovado, mas com muitas alterações, no que foi encarado como uma derrota pessoal de Moro.
Há alguns meses, Bolsonaro tinha tentado retirar a pasta da Segurança Pública a Moro, mas acabou por recuar perante a oposição do ministro, que ameaçou bater com a porta.
A divulgação de mensagens trocadas entre Moro e procuradores da Lava-Jato pelo site The Intercept Brasil no ano passado também vieram enfraquecer a imagem pública do antigo juiz, ao expor alegados abusos cometidos durante as investigações aos vários esquemas de corrupção que envolveram a petrolífera Petrobras.