Dispatches from Elsewhere, a série que é um puzzle que quer mudar o mundo
Às segundas, às 22h10 (ou numa gravação ou visionamento diferido ao pé de si), há encontro bizarro com Jason Segel, Sally Field e companhia no AMC.
Será esta a altura certa para Dispatches from Elsewhere? Talvez não haja altura certa para a nova série do AMC, que se estreou nesta segunda-feira com episódio duplo na televisão portuguesa (e que está acessível através das gravações ou rewind de qualquer box de televisão por subscrição).
A única coisa genericamente acessível em Dispatches from Elsewhere é o seu protagonista, Jason Segel, figura afável que povoa desde a comédia mais convencional de Foi Assim que Aconteceu (Fox Comedy) até aos bastidores e ecrãs dos filmes e séries de Judd Apatow. E depois há o Jason Segel que foi David Foster Wallace num biopic. Algures a meio caminho destas suas sintonias surge o seu Peter de Dispatches from Elsewhere.
Esta é uma série com mistérios sobre o sentido da vida, sobre a introversão ou até a depressão. A agressão do quotidiano, seja por bêbados que perseguem uma mulher à noite ou pelo puro tédio da rotina, é o lembrete de que sim, apesar de aquele grupo de pessoas convocadas por uma sociedade secreta e que reúnem Sally Field, Andre Benjamin (ou André 3000 dos Outkast) e Eve Lindley parecer patético, a tentação de criar um mundo melhor faz sentido. Esta não é a melhor sinopse, e muito menos a única possível, para Dispatches from Elsewhere. Mas é o possível quando se sugere que é possível falar com golfinhos ou quando os colegas de escritório dizem “coisas de trabalho, coisas de trabalho, coisas de trabalho” —no fundo, como soa sempre a professora de Charlie Brown nos Peanuts — quando ele simplesmente está dormente.
Uma sinopse mais convencional, vamos lá: Dispatches from Elsewhere é uma série criada e protagonizada por Segel em que um grupo de pessoas banais se depara com um mistério nos bastidores da vida quotidiana. Baseia-se no documentário The Institute (2013), que por seu turno mergulha numa experiência imersiva/jogo que decorreu em São Francisco (na vida real, mas com experiências de realidade alternativa) no início da década. A série foi apresentada no Festival de Cinema de Berlim no início do ano e reveste-se daquela patine que têm as histórias herdeiras da revolução Twin Peaks ou que fazem pensar em Perdidos e nos vídeos de orientação da Iniciativa Dharma, ou ainda no andar amadeirado e hipnótico de Foge e no ambiente aspiracional da muitas vezes esquecida Malmequer, Bem-Me-Quer (Pushing Daisies).
A crítica está sobretudo contente com a série, mas não é unânime. Brian Tallerico, do site de crítica RogerEbert.com, lamenta a sua “excentricidade forçada”. Já Troy Patterson, na revista New Yorker, elogia “as abordagens oblíquas às histórias lineares” e permanece intrigado com “uma série tão lírica na sua lógica onírica que é intrigante mesmo quando não é estritamente bem-sucedida”. Jason Segel, que não escrevia nada seu desde o filme Os Marretas de 2011, decidiu abalançar-se a “uma coisa que nos diz que estamos mais juntos do que distantes. Algo que nos diz que há magia desde que sejamos suficientemente sinceros para estarmos abertos a ela”, como disse ao Vulture.
No princípio dos seus dez episódios, o espectador é interpelado logo à partida por um narrador que nos garante ser fiável apesar de ter dito uma mentirinha. Também nos prometem que o título da série será compreensível mais para a frente, onde haverá alçapões e leite com chocolate. As personagens são rigidamente tipificadas, a perspectiva da série vai mudando à medida que se centra numa delas, e a frase mais pungente do primeiro episódio é “principalmente, não sinto nada”. É Peter, que teme ser entediante, que o diz. E ele é um bocadinho entediante.
Dispatches from Elsewhere disponibiliza dois episódios de cada vez, todas as segundas à noite no AMC, e é também uma série sobre metacomunicação — Peter fala de “gastar dinheiro com coisas que não o fazem ganhar dinheiro, como a televisão por cabo”, o som inconfundível da série criminal Lei e Ordem ouve-se a tempos e os sinais na rua mudam de mensagem conforme o mundo se abre. Numa altura em que o mundo está tão fechado, esta pode ser uma altura tão boa como outra qualquer para receber Dispatches from Elsewhere.