Fotografia
Por querer salvar os orangotangos, Alain Schroeder venceu no World Press Photo
O projecto Saving Orangutans de Alain Schroeder, que documenta a acção de duas organizações não-governamentais indonésias em prol da manutenção da espécie em vias de extinção, foi duplamente premiado na edição de 2020 do concurso mundial de fotojornalismo. Em entrevista ao P3, o belga garante que ainda há muito por fazer para evitar a extinção destes grandes primatas.
No dia 9 de Março de 2019, às 23h, em Sumatra, na Indonésia, o fotógrafo belga Alain Schroeder recebeu uma chamada da organização não-governamental Sumatran Orangutan Conservation Programme (SOCP). Um orangotango fêmea e a sua cria estavam em risco e a equipa de salvamento da organização estava no seu encalço. “Passámos dez horas na estrada, de noite, até encontrarmos a Hope”, recorda ao P3 o vencedor da edição de 2020 do World Press Photo nas categorias de Natureza (imagem individual e série). “Ela foi encontrada com a sua cria. Estava cega de ambos os olhos, tinha cortes de machete e balas de borracha no corpo e uma clavícula partida. Fomos directamente para o hospital da SOCP, ela precisava de cuidados médicos urgentes.” A cria, infelizmente, faleceu a caminho, no jipe. E foi a imagem desse bebé orangotango sem vida que garantiu ao belga a distinção na categoria Nature Single, no concurso mundial de fotojornalismo.
Desorientados, Hope e o filhote foram encontrados esfomeados junto a uma aldeia. “Não é uma situação incomum”, explica o fotógrafo. “Quando um orangotango é avistado com uma cria, normalmente é atacado pela população. Não porque represente perigo, mas porque um orangotango bebé vale milhares de dólares no mercado negro.” Os aldeãos não atiram a matar; usam armas de pressão de ar para ferir e desorientar o orangotango adulto para capturarem a cria. “Um orangotango nunca se separa do seu filhote”, explica Shroeder. “Prefere morrer a deixá-lo.” E foi exactamente este o cenário que a equipa seguida pelo belga encontrou no terreno. “Os raios x dos orangotangos adultos geralmente revelam vários projécteis alojados no corpo. E os de Hope não destoavam.”
Na Indonésia, nas ilhas de Sumatra e Bornéu, os únicos locais do mundo onde reside esta espécie, estima-se que actualmente existam cerca de 14 mil orangotangos. Há 100 anos seriam cerca de 300 mil. O processo de extinção está em curso, não surpreendentemente, devido a mão humana. “As plantações de óleo de palma, que estão na origem da desflorestação das ilhas, estão a colocar a espécie em risco”, explica Schroeder. A exportação de óleo de palma assume, actualmente, um papel fundamental na economia das ilhas, o que faz prever um futuro difícil para os grandes primatas.
Schroeder explica porquê. “Os orangotangos são animais solitários que vivem na floresta. É no topo das árvores que constroem, diariamente, os seus ninhos. Quando as plantações de palma substituem a vegetação autóctone, o seu habitat é profundamente alterado e passam a ter dificuldades em encontrar comida.” Desorientados e com fome, entre milhares de palmeiras, os primatas acercam-se das aldeias, onde são feridos e capturados pelos habitantes. “As organizações não-governamentais assumem, nesse contexto, um papel interventivo, resgatando os primatas, reeducando-os para o regresso ao seu habitat natural e tentando educar as populações para o contacto com eles.”
Nos centros do Orangutan Information Center e da Sumatran Orangutan Conservation Program, que o fotógrafo belga documentou durante seis meses, os grandes primatas são reabilitados até estarem prontos a integrar o seu habitat natural. “Quando uma cria fica órfã, devolvê-la imediatamente à floresta não é uma opção”, explica. “Porque durante sete ou oito anos, o tempo que passaria na companhia da sua progenitora, a cria iria aprender a sobreviver – a fazer ninhos, a saltar de árvore em árvore de forma segura, a encontrar comida, a defender-se de predadores.” Assim, têm de ser as organizações a assumir o papel das mães.
Dedicam esses anos à formação dos pequenos primatas em “escolas de orangotangos”. São atribuídas mães humanas às crias, que lhes ensinam tudo o que têm de saber para poderem ser libertadas em segurança. “Uma cria de orangotango é como uma criança, precisa de aprender a sobreviver, a socializar. É dependente até atingir a idade adulta.” Os laços afectivos que desenvolvem com os membros das equipas de intervenção são fortes, remetem para a ligação entre humanos. “Há abraços e beijinhos, afecto, lealdade.” O que é curioso, refere o fotógrafo, “é que os humanos têm de ensinar os orangotangos a serem orangotangos”. Porque quanto chegam aos centros, eles ainda não sabem sê-lo. “Ou porque foram, durante muitos anos, animais de estimação ou porque ficaram sem mãe muito cedo, eles não têm todas as ferramentas para sobreviver no mundo selvagem.” Só quando estão totalmente preparados, são libertados para o mundo selvagem, um processo que pode ser emocionalmente difícil.
Nunca, durante os seis meses que passou em Sumatra, entre Outubro de 2018 e Abril de 2019, Alain foi autorizado a tocar num orangotango. “Antes de juntar-me às equipas, fui obrigado a realizar análises e tive sempre de usar máscara na sua presença.” O risco de contraírem doenças humanas é elevado, devido à larga parcela de ADN que partilham com as pessoas, que ronda os 96%. “Foi um processo moroso, o da obtenção de autorização para acompanhar estas equipas. Demorei dois meses só a garantir acesso às organizações.”
Mas valeu a pena, garante o fotógrafo. Não só pelo prémio no concurso World Press Photo, mas pela exposição que merece este tema. “Eu não me considero um activista. Sou um fotojornalista e tento, em todos ao casos, retratar o que vejo de forma neutra. Mas, neste caso, fiquei especialmente satisfeito por poder trazer luz a este assunto. Porque está ao alcance de todos operar algum tipo de mudança.” O consumo de produtos alimentares que contêm óleo de palma estimula a plantação deste tipo de palmeira e o seu boicote é uma forma de activismo em prol da conservação das florestas virgens de Sumatra e Bornéu. E, indirectamente, da manutenção do habitat dos orangotangos. “Neste caso, todos podemos intervir, basta parar de consumir óleo de palma. Por isso, saber que o meu projecto será visível, à boleia do World Press Photo, em mais de cem países, traz-me alguma satisfação. Prefiro ver as ONG e os hospitais de orangotangos extintos do que ver os orangotangos extintos.” O projecto Saving Orangutans é a sua contribuição.