As costureiras do bairro trabalham ponto a ponto para o bem de todos
Alguns projectos de desenvolvimento local sediados em bairros carenciados de Lisboa voluntariaram-se para costurar máscaras para o pessoal hospitalar. Mais de mil ficaram prontas em poucos dias.
As crianças de duas escolas de Marvila, em Lisboa, andavam entusiasmadas a preparar a lembrança para o Dia do Pai quando a pandemia chegou e deixou tudo em suspenso. Com as escolas fechadas, as aulas de costura pararam e as carteiras de tecido com um botão e um coração ficaram a meio. Os alunos, a maioria rapazes, ficaram desgostosos, mas não mais do que as senhoras que os estavam a introduzir na arte de bem coser todo o pano.
Desocupadas, já com 70 e muitos anos, impossibilitadas de ir à Associação de Reformados do Bairro do Condado, recolheram-se em casa quando o país parou, mas estava a custar-lhes não fazer nada. Quando a Câmara de Lisboa foi contactada para ajudar a produzir máscaras hospitalares, já Lurdes Santos tinha telefonado à autarquia a dizer que ali havia gente pronta a trabalhar.
E assim foi. Em poucos dias, do Bairro do Condado saíram 350 cógulas que agora serão distribuídas pelos hospitais da Grande Lisboa. Trata-se de um capuz, fabricado em tecido não tecido (TNT), que cobre o cabelo, grande parte da cara, o pescoço e parte do peito. É uma das várias camadas com que o pessoal hospitalar tem de se proteger por estes dias – e muitas destas peças terão o dedo de costureiras do Condado, da Quinta do Cabrinha, do Rego, da Almirante Reis.
É nestas zonas da cidade que funcionam alguns dos projectos BIP/ZIP, um programa da câmara que anualmente apoia associações e redes locais em actividades que melhorem a vida de quem mora nesses bairros (B) ou zonas (Z) de intervenção prioritária (IP).
“Há cerca de 10 dias a Faculdade de Arquitectura contactou-nos no sentido de podermos accionar os BIP/ZIP ligados à costura e à modelagem”, explica Paula Marques, vereadora da Habitação e Desenvolvimento Local. É naquela faculdade lisboeta que o arquitecto Marco Moreira está a desenhar e a fazer os moldes de cógulas, no âmbito da iniciativa Portugal COnVIDa Todos. As máscaras saem dali para as costureiras e regressam já prontas, sendo etiquetadas e entregues à Administração Regional de Saúde Lisboa e Vale do Tejo, que se encarrega de as distribuir pelos hospitais.
“Foi muito interessante ver a resposta pronta dos projectos e a resposta pronta das pessoas envolvidas nos projectos”, salienta Paula Marques. “Deixámos de poder levar os nossos ensinamentos às crianças, ajudamos de outra forma”, comenta Acácio Gonçalves, tesoureiro da associação de reformados do Condado, onde já esperam a chegada de mais moldes.
Enquanto isso, as ideias não param. Lurdes Santos, que coordena na associação o projecto “De pequenino se faz o figurino”, o tal BIP/ZIP que junta crianças e idosas pela costura, pôs-se a matutar em como produzir as máscaras clássicas, só para nariz, boca e queixo, que têm tido grande procura. “Não havia tecido deste em lado nenhum. Tentámos no Cacém, em Alcobaça…”, diz, já com a primeira máscara nas mãos, decorada com ursinhos. “Isto veio tudo de Oliveira de Frades, de uma pessoa que tem lá uma loja fechada. São 10 metros de TNT e mais 30 de elástico”, explica. “Estamos a ajudar um pequeno negócio em Oliveira de Frades”, congratula-se um dos membros da associação.
Uma rede para a cidade
É como um ciclo. “Foi o primeiro BIP/ZIP que nos permitiu comprar as máquinas de costura”, refere Conceição Cerqueira, também da associação, aludindo ao projecto anterior a este, “Escola Avós e Netos”, que tinha outras valências para além da costura. As máquinas que a câmara ajudou a pagar servem agora para dar algo em troca. “Faz sentido pormos à disposição da cidade o resultado das políticas e do investimento público”, afirma Paula Marques na escola Mestre Arnaldo Louro de Almeida, onde na terça esteve a entregar kits de cógulas a mais costureiras.
Neste caso as voluntárias integram o projecto “Entre Nós”, que trabalha com mulheres e crianças dos bairros do Rego, Quinta do Cabrinha e Ceuta Sul. Sediado em dois agrupamentos escolares (Francisco Arruda e Marquesa de Alorna), este BIP/ZIP tem várias vertentes. Uma delas põe mães, avós e respectivos filhos ou netos a costurar e a produzir pequenos objectos para brincar. “Já fizemos os figurinos para a festa de Natal da escola e neste momento estávamos a fazer roupas para a casa das bonecas do jardim infantil”, explica Raul Lapa, da Associação de Moda Africana de Lisboa, que lidera o projecto.
Uma das mães, Raquel, já se ocupava com pequenos arranjos e trabalhos de costura quando perguntaram à filha se queria participar no workshop. Suspensas as actividades lectivas, viu-se também sem essa fonte de sustento e pondera agora quantos kits há-de levar. “A única coisa que eu faço é fazer os deveres com a minha filha e brincar com ela. Estou com tempo de sobra!”, conclui, decidindo-se por levar três kits. Ou seja, 150 cógulas.
“Eu vou fazer uma aula por Zoom”, diz Raul Lapa, sublinhando que o projecto pode manter-se a funcionar “porque a maioria das pessoas tem máquina de costura em casa”. Da Mestre Arnaldo Louro de Almeida saíram os kits para 500 cógulas que nos próximos dias serão cosidas pelas integrantes do “Entre Nós”.
Depois de ter distribuído o material para 1050 cógulas na semana passada – no Condado e na Almirante Reis, onde há um BIP/ZIP das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor focado sobretudo em mulheres negligenciadas – a câmara admite que mais projectos venham a integrar esta iniciativa e que a produção aumente. Para Paula Marques, isto mostra o sucesso da estratégia BIP/ZIP. “Significa que esta rede local funciona”, diz a vereadora.