Se uma penhora não for suspensa, a falha deve ser exposta ao fisco

Contribuintes alvo de penhoras indevidas por dívidas fiscais devem contactar a autoridade tributária. Processos estão suspensos até Junho.

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A suspensão das penhoras por causa da covid-19 dura até 30 de Junho Paulo Pimenta

Apesar de as penhoras por dívidas ao fisco e à Segurança Social estarem suspensas até ao final de Junho por causa da pandemia da covid-19, o travão não foi automático para todos.

Não é claro se o problema afecta muitos ou poucos contribuintes, mas, neste mês de Abril, já houve quem verificasse que a reforma paga pela Segurança Social continuou a ser penhorada por dívidas ao fisco. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) explica que os eventuais casos devem ser reportados ao fisco para a avaliação do que se passou.

À luz de um diploma do Governo, os salários ou as pensões a pagar em Abril, Maio e Junho deveriam ser recebidos por inteiro, porque o executivo decidiu que “quaisquer actos a realizar em sede de processo executivo” ficam suspensos até à cessação da situação excepcional de contenção do novo coronavírus. Isso inclui não só a suspensão das vendas de casas ou carros penhorados, mas também a paragem excepcional das cobranças das dívidas por penhora de contas bancárias, rendimentos, nos salários, pensões, quotas em sociedades ou em quaisquer outros bens que estavam até aí a ser penhorados.

No entanto, nem todas as suspensões foram automáticas. Foi o que se passou, por exemplo, com um cidadão reformado, morador em Oeiras, sobre quem recaía desde Novembro uma penhora mandada executar por um serviço de Finanças desse concelho. Este pensionista apercebeu-se de que a pensão que lhe foi paga esta semana pelo Centro Nacional de Pensões da Segurança Social continuava a descontar o valor, tal como acontecia antes.

Sabendo que o Governo tinha decidido a suspensão dos processos de execução, procurou saber junto dos serviços da Segurança Social e da administração fiscal o que se passava, para tentar ser ressarcido do valor penhorado indevidamente neste primeiro mês de excepção. Afinal, o que se passara?

Na Segurança Social, começaram por lhe responder — de acordo com a troca de emails a que o PÚBLICO teve acesso — que a lei não previa a suspensão das penhoras em curso ordenadas pela AT e que, em todo o caso, tal como compete à administração fiscal ordenar a penhora por ser a AT a entidade credora dessa dívida, também caberia a essa entidade ordenar a suspensão — o que não acontecera no seu caso. E terminava dizendo que qualquer reclamação deveria ser dirigida ao serviço de Finanças competente.

O contribuinte entra em contacto com a AT através do centro de atendimento telefónico e, do lado da administração fiscal, dizem-lhe que a aplicação da lei caberia automaticamente, por obrigação e inerência, à entidade pagadora, ou seja, à Segurança Social.

Entretanto, o caso voltava a ser analisado pelos serviços da Segurança Social, onde no núcleo de apoio jurídico concluem que, afinal, da lei parece resultar que deveria existir a suspensão da penhora e que, por essa razão, os serviços iriam reportar a situação à autoridade tributária. O contribuinte decidira, pelo meio, contactar de novo a AT através do e-balcão, onde no mesmo dia é informado de que, para resolver a situação, deveria enviar requerimento para o serviço de Finanças onde corre o processo de execução fiscal.

Questionada pelo PÚBLICO sobre situações de contribuintes que continuaram a ser penhorados, a Autoridade Tributária e Aduaneira sublinhou que “a suspensão dos processos executivos determinou a suspensão da prática de actos, pelo que desde então não se verificam penhoras” e “qualquer alegação de situação contrária deve ser exposta à AT para avaliação”. O PÚBLICO procurou obter uma explicação da Segurança Social, mas não obteve resposta até ao momento de publicação desta notícia.

Regresso em Julho

De acordo com o diploma do Governo, todos os processos de execução fiscal ficam automaticamente suspensos até à cessação da situação excepcional, explica o advogado Armando M. Oliveira, especialista em direito fiscal da Aventino & Associados. Na prática, a autoridade tributária “não irá avançar com penhoras (de salários, de contas bancárias, venda de bens penhorados), podendo, contudo, continuar com novas acções de execução. Isto traduz-se, em termos práticos, na inexistência de efeitos na esfera do contribuinte até 30 de Junho”. Os processos são retomados a seguir a essa data.

No caso de um pensionista que já estava a ser alvo de penhora sobre a sua reforma, o que a salvaguarda do Governo implica é que, nesse período de suspensão até Junho, “não existe a obrigação de retenção de qualquer valor ao abrigo de uma penhora por dívidas à Segurança Social ou à AT, pelo que todo o valor a receber [de reforma] será, ao que tudo indica, entregue ao contribuinte”, considera o mesmo advogado.

“No que diz respeito às penhoras já efectuadas, por exemplo de contas bancárias, todos os valores cativos em momento anterior à aplicação destas medidas deverão ser entregues pelo banco à AT – não havendo possibilidade de reposição do valor à ordem do contribuinte. Contudo, se entretanto for alvo de execução fiscal por uma dívida de 500 euros e tiver uma conta bancária com 600 euros, pode continuar a dispor dos 600 euros porque a penhora não será executada até 30 de Junho”, explica Armando M. Oliveira.

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