Como a nossa memória é importante quando escolhemos um aroma

Embora o estudo dos mecanismos neuronais do sistema olfactivo esteja ainda em desenvolvimento, as marcas socorrem-se daquilo que já se sabe para produzirem cheiros que contribuem para o bem-estar dos consumidores

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Há cheiros que nos fazem sentir bem e podem ajudar-nos a combater o stress, a ansiedade e até as insónias. São, por exemplo, cheiros como os de uma vela cujo aroma a canela nos faz viajar até casa de uma avó ou até à noite de Natal. São fragrâncias como estas, que podemos ter em casa, que despertam memórias e emoções. Embora o estudo dos mecanismos neuronais do sistema olfactivo esteja ainda em desenvolvimento, as marcas socorrem-se daquilo que já se sabe para produzirem cheiros que contribuem para o bem-estar dos consumidores.

O norte-americano Martin Lindstrom, um guru do branding, escreve que cheiramos todas as vezes que respiramos, o que ocorre 20 mil vezes por dia. Cheiramos mas também “conseguimos viajar no tempo com determinadas fragrâncias que sentimos num passado mais recente ou distante”, ao termos velas aromáticas ou difusores com óleos essenciais em casa, começa por dizer a engenheira química Vera Mata que cria fragrâncias na sua empresa Ownya.

Estas viagens acontecem, por exemplo, quando “lembramos, com ternura, o cheirinho da cevada quente de casa das nossas avós, do pão acabado de cozer ou do perfume de uma flor”, enumera a engenheira química. Também podemos ter em casa aromas de eucalipto, alfazema e alecrim que “poderão estar associados a momentos de lazer ao ar livre e nos dão a sensação de casa arejada. Ou o cheiro a canela que lembra o bolo que a avó fazia e dá-nos uma sensação de conforto e de protecção”, acrescenta Maria Luísa Vasconcelos, investigadora principal do Laboratório do Comportamento Inato do Centro Champalimaud, em Lisboa.

Por isso mesmo, tal “como acontece com os outros sentidos, a forma como nos sentimos, perante um estímulo (olfactivo), tem em parte a ver com as associações que fomos fazendo ao longo da vida”, elucida Maria Luísa Vasconcelos que realizou um dos primeiros estudos sobre os circuitos neurais centrais (ou áreas cerebrais superiores) subjacentes às respostas inatas aos cheiros. A investigadora avisa, contudo, que “os mecanismos neuronais do sistema olfactivo estão a ser estudados intensamente, mas ainda conhecemos pouco”. 

Bons e maus cheiros

A realidade mostra precisamente que estamos expostos, de forma involuntária, a diversos aromas que nos transmitem sensações positivas, negativas ou que nos remetem para acontecimentos passados, segundo Bruno Morgado Ferreira, especialista em marketing sensorial e professor adjunto no Instituto Politécnico de Viseu (IPV).

Vera Mata corrobora, acrescentando que “os bons e os maus cheiros ficam registados na nossa memória para sempre, pelo que o olfacto continua a ter um papel fundamental na nossa qualidade de vida”. E, sendo este um sentido primitivo, “quando cheiramos algo, a reacção que chega ao cérebro é quase instantânea e duradoura”, acrescenta a especialista, recordando a reacção do director de um hotel quando lhe apresentou uma fragrância que tinha acabado de desenvolver: “Faz-me lembrar os cardos secos das dunas da praia ao pôr-do-sol, na minha infância.” 

Há uma explicação científica para este comportamento, segundo Bruno Morgado Ferreira: “Os odores são recebidos, por células receptoras implantadas na cavidade nasal que posteriormente enviam a informação ao cérebro.”

Dina Carvalho, aluna de mestrado em marketing do IPV, fez um estudo sobre a influência dos cheiros nas emoções (raiva, felicidade, surpresa, nojo, medo e tristeza), com 77 estudantes da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do IPV, após a visualização de cinco excertos de filmes. A estudante dividiu a amostra, expondo apenas 38 dos participantes ao cheiro do citrino sem o saberem. Apesar de a amostra ser pequena, as conclusões foram relevantes para comprovar que “todas as emoções expressas apresentavam valores mais elevados” nos 38 participantes expostos ao cheiro. “Ou seja, as boas emoções como a felicidade e a surpresa são sentidas e expressas de forma ainda mais positiva e as más emoções de modo mais negativo”, descreve ao PÚBLICO, Bruno Morgado Ferreira que orientou esta tese de mestrado.

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Aromaterapia em casa 

Além de despertar memórias e emoções, os cheiros também “actuam no nosso sistema linfático, imunológico, respiratório, cardiovascular e desempenham um papel importante no tratamento de algumas doenças de foro psicológico: depressão, ansiedade e stress”, defende a engenheira química Vera Mata. Por exemplo, “o óleo essencial de alecrim tem fortes propriedades terapêuticas, sendo usado para combater o cansaço, fadiga, depressão, asma, bronquite, além de medicinais - anti-séptico, cardiotónico, diurético, fortificante”. Já o óleo essencial de alfazema pode ajudar a combater a insónia, o nervosismo, a tosse e as picadas de mosquitos, acrescenta.

Segundo Bruno Morgado Ferreira, “tal como existem dicionários para [interpretar] as cores, também os há para os cheiros”, com informações sobre como, por exemplo, a lavanda combate a ansiedade, depressão e medo, e ajuda na tomada de decisão e transmite paz, tranquilidade e relaxa. Já o alecrim revigora, estimula a memória e combate o cansaço mental; a canela ajuda na concentração, combate a fadiga e relaxa; e a erva-cidreira combate as insónias, o pânico e a ansiedade. “O gengibre ajuda no cansaço mental, os citrinos relaxam e o chocolate estimula ambientes românticos”, resume o especialista em marketing sensorial.

“Por experiência, recomendo os cheiros a baunilha como companhia para o estudo e leitura, o aroma de fruto dos bosques ou de laranja-canela para acalmar o ambiente na sala”, sugere Bruno Morgado Ferreira, propondo ainda “o recurso a fragrâncias marítimas, de pinho ou limão para os sanitários”. 

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Também Aquiles Barros, fundador da marca Castelbel, produtos perfumados de luxo para a casa e corpo, acredita nas potencialidades das fragrâncias, e exemplifica: “É comum ouvir alguém dizer que queima determinadas velas perfumadas quando quer relaxar ou que gosta mais de um aroma cítrico na cozinha do que na sala, porque corta o cheiro da comida.”

Segundo o empresário, que produz velas, saquetas, papéis perfumados e vaporizadores de fragrância, “quem entra, numa casa, recebe determinados cheiros como geradores de conforto ou bem-estar e outros como incómodos”

Ainda assim, a engenheira química Vera Mata considera que há aromas mais consensuais entre as pessoas do que outros, como os de baunilha e de morango que são usados numa vasta gama de produtos perfumados, assim como em grande parte de produtos alimentares, tais como iogurtes e bebidas.

A casa do vizinho cheira melhor que a minha

Por norma, “não sentimos o cheiro habitual das nossas casas”, mas já sentimos a fragrância da casa dos outros, explica a investigadora Maria Luísa Vasconcelos. “Há uma adaptação aos cheiros de sempre que permite que reconheçamos melhor os novos”, afirma, elucidando que “percebemos o aroma a alfazema quando abrimos a janela, o cheiro a café acabado de fazer ou uma fuga de gás”. 

Também Bruno Morgado Ferreira concorda que “se estivermos encantados com o cheiro de outra casa que visitamos, o mais provável é nos questionarmos sobre ele. É o resultado positivo da surpresa do estímulo”. Mais: “Somos mais depressa surpreendidos pelo cheiro da nossa casa quando regressamos de férias, depois de uma ausência, do que propriamente no dia-a-dia.”

Na altura de escolher as fragrâncias para a casa, “são as nossas memórias olfactivas que determinam o nosso gosto pessoal e nos levam a escolher para uso próprio ou para a nossa casa. E procuramos algo que nos transmita uma sensação de conforto, bem-estar e tranquilidade”, refere Mariana Pedrosa, da Claus Porto, marca de velas e difusores que pertence à Ach Brito.

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