As aulas online em tempo de covid-19: as consequências de um ano letivo arruinado
não, o ano letivo não está arruinado. Se as pessoas valorizassem mais o que estão a aprender neste momento e se concentrassem mais em ganhar capacidade de adaptação, skills para a gestão da mudança e performance em tempos difíceis sairiam desta crise com uma preparação superior.
Ano arruinado? Nem tanto.
Acho que houve um tremendo abanão em tudo. E mais virão, preparem-se. Passar a funcionar a partir de casa tem aspetos muito negativos, sem dúvida. Limitarmos ou anularmos o ensino presencial, uma vez que somos seres sociais e sociáveis e que queremos a componente relacional e experiencial, é sem dúvida uma perda. Uma sociedade de afastamento humano é uma sociedade sitiada. É uma sociedade que tem pouco de sociedade, pelo menos como a conhecemos.
Mas teremos de ver aspetos positivos. Tivemos uma curva de aprendizagem forçada no online, e num curtíssimo espaço de tempo, como não poderíamos jamais ter noutras circunstâncias. Isso é positivo. A grande capacidade de adaptação, aprendizagem, uso de novas formas de comunicar, de lecionar e aprender e de nos relacionarmos foi um passo muito importante e diria de desenvolvimento crucial. Depois, começámos a valorizar tudo quanto dávamos por adquirido e os modelos que para nós até achávamos, às vezes, menos apelativos passaram a ser profundamente desejados. Esta componente de aprendizagem é também importante, ou seja, a escassez de determinado formato/método levou-nos a idolatrá-lo e a querê-lo. Ah, o que faz a privação…
Agora, nos anos letivos mais baixos, antes de se colocarem questões sérias de exames nacionais ou provas de acesso ao superior, as coisas são recuperáveis e nada está perdido. Nesses anos, onde não se joga o tudo ou nada, será simples recuperar mais à frente. Nos anos de decisão, aí sim, não será fácil para muitos até porque não se podem facilitar os exames, sem mais. Aí pode significar um ano perdido. Mas um ano perdido pode representar também uma oportunidade para crescer, estruturar fundamentais, olhar para o lado dos valores e a dimensão humana. Enfim, há sempre os dois lados da moeda.
Já no ensino universitário, aquele que melhor conheço e onde trabalho, penso que temos coisas boas como coisas menos boas. A capacidade de adaptação, a aprendizagem, o sermos forçados a migrar para o online pode ser considerado profundamente positivo se pensado como alternativa ao que achávamos que seria uma solução quase única. Ao contrário, perde-se na componente relacional e de network e na capacidade de construir aprendizagem pelo coletivo. Para além de que o coletivo, em termos universitários, tem um papel também decisivo na criação de amizades e seu aprofundamento e de relações que ficam para a vida.
Na formação de executivos as coisas têm igualmente lados bons e menos bons. A capacidade de aguentar, a adaptação, a mudança que procuramos transmitir são agora, mais que nunca, para colocar em prática. Para a formação de executivos há duas dimensões que são cruciais mas que nem sempre são audíveis ou percetíveis: adaptação à mudança e, por outro lado, performance. Adaptação à mudança é fundamental. Quem quererá um colaborador sem capacidade de adaptação a um cenário hostil? Provavelmente esta crise fará mudar muito do capital de queixa de novas gerações e fará com que se voltem para os básicos. A vida, as relações, os amigos, aqueles que procuram estar com eles e ajudá-los, aqueles que mostram a importância da sua existência e os valorizam.
A este propósito não posso esquecer a reunião ZOOM que tive com as duas turmas de saúde este fim de semana, uma de um Executive Master e uma outra de uma pós-graduação. Os primeiros, os da linha da frente, os que não dormem, os que dão a vida por muitos outros… ainda assim querem manter o vínculo e procuram na aprendizagem um momento de fuga, uma evasão para o futuro que os espera, lá longe, risonho. E querem falar de futuro. Entre lágrimas, muitas lágrimas, mas querem falar de futuro.
A segunda dimensão é a performance. Em formação de executivos isto é a melhor prova de resistência debaixo de condições adversas. Podíamos encontrar melhor cenário? Acho que não. Mas há quem não esteja bem. Claro que sim. Esses são aqueles que mais tarde ou mais cedo serão descobertos pelas suas empresas como os que pouco importam. São a não investir. Porquê? Porque debaixo de pressão não conseguem mostrar performance.
Tudo isto para dizer que não, o ano letivo não está arruinado. Se as pessoas valorizassem mais o que estão a aprender neste momento e se concentrassem mais em ganhar capacidade de adaptação, skills para a gestão da mudança e performance em tempos difíceis sairiam desta crise com uma preparação superior. Está-lhes a ser proporcionado, pelas piores razões, um cenário dantesco. Por isso, já o tenho dito, se deve aproveitar isto mesmo para crescer. É preciso que cresçamos com estas coisas. Não teremos provavelmente nenhum outro cenário tão duro pela frente nos próximos anos das nossas vidas. Portanto, saibamos aproveitá-lo para construirmos e estruturarmos a nossa resiliência e para ajudarmos outros a construírem-na.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico