Costa alerta para quebra de “elo de confiança” com cidadãos
Decreto de estado de emergência foi aprovado por PS, PSD, BE, CDS, PAN e Chega.
Com a já esperada aprovação do decreto presidencial que declara o estado de emergência, o primeiro-ministro deixou nesta quarta-feira alguns alertas sobre a duração do surto de coronavírus em Portugal e sublinhou a ideia de que o uso desta figura constitucional “não resolve” a crise. O decreto presidencial foi aprovado na Assembleia da República com os votos favoráveis das bancadas do PS, PSD, BE, CDS, PAN e Chega e a abstenção do PCP, PEV, do deputado da Iniciativa Liberal e da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.
No encerramento do debate parlamentar, António Costa apontou que o “pico” do surto deve ocorrer em “meados de Abril” e, “se tudo correr bem”, termina “no final de Maio”, advertindo para o risco de haver uma quebra do “elo de confiança, solidariedade e credibilidade” com os “cidadãos”, que pode acontecer quando não sintam que o Governo está a fazer “tudo o que é necessário” ou que não se cumprem promessas. Por isso, o primeiro-ministro salientou que nenhum decreto tem um “efeito salvífico” para resolver a crise pandémica, apesar de assumir que permite ao executivo “fazer mais e melhor”.
Tentando prever as semanas futuras, o chefe de Governo referiu-se directamente ao cenário dos próximos 15 dias, quando for necessário renovar o estado de emergência: “Vamos ter mais pessoas infectadas e mais falecimentos.”
António Costa assegurou que as medidas a tomar no âmbito do estado de emergência terão “proporcionalidade” e que a “democracia não será suspensa”. O argumento já tinha sido esgrimido pela líder da bancada do PS, Ana Catarina Mendes, quando se referiu ao estado de emergência como um “mal necessário”.
Num debate em tom de unidade nacional – com a excepção das reticências mais à esquerda –, o total apoio à declaração do estado de emergência foi expresso pelo PSD, CDS e PAN. Rui Rio vincou que o PSD “não é oposição, é colaboração” e que este “não é um governo de um partido adversário, é o Governo de Portugal”. Mostrando disponibilidade do partido para “ajudar”, o líder do PSD dirigiu-se ao primeiro-ministro para lhe desejar “coragem, nervos de aço e muita sorte”.
“Coragem” foi também a palavra dirigida ao Governo por Telmo Correia, líder da bancada do CDS, assumindo que o partido estará “solidário” com o executivo de António Costa. Mas o deputado não deixou de registar que, se agora é preciso “tomar medidas mais drásticas”, é porque existiu “hesitação” em momentos anteriores.
Também favorável ao estado de emergência, a líder da bancada do PAN, Inês Sousa Real, justificou o uso desta figura constitucional com a “precaução” que é necessária. “É importante que todos os cidadãos percebam que há um motivo de força maior que justifica que nos próximos tempos não possam ter as suas rotinas normais”, argumentou.
Entre os partidos à esquerda do PS, o tom foi divergente. Catarina Martins, coordenadora do BE, admitiu o estado de emergência, mas considerou o instrumento “excepcional e transitório”, argumentando que pode servir para quem se “aproveita da crise”. Já o PCP justificou a abstenção com a ideia de que o uso do instrumento constitucional foi precipitado e que só deveria ser ponderado “na circunstância de se verificar o incumprimento das medidas decididas ou a necessidade de adoptar medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias”. O mesmo argumento foi usado por José Luís Ferreira, do PEV, e também por um deputado que se senta no lado oposto do hemiciclo: João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal.
Durante o debate da proposta de lei do Governo sobre as medidas excepcionais (já que os deputados únicos não puderam participar no ponto do estado de emergência), André Ventura, do Chega, insurgiu-se contra o encerramento tardio das fronteiras e a falta de material de protecção das forças de segurança portuguesas, em contraste com as de Espanha. A deputada não inscrita Joacine Katar Moreira deixou uma preocupação: “O que mais me inquieta [no decreto] é a suspensão do direito de resistência. Não há democracia sem direito de resistência.”