Fotografia
O que comem crianças de cinco continentes? A mesma junk food
A série Daily Bread coloca em evidência as diferenças entre as várias dietas do mundo, mas o fotógrafo Gregg Segal aponta para as semelhanças. "As crianças que conheci vivem em continentes diferentes, têm personalidades distintas, mas têm consumos alimentares sinistramente similares", diz ao P3. "É como se os pais fizessem compras no mesmo supermercado global."
Ao longo de dois anos, o norte-americano Gregg Segal retratou 52 crianças de nove países na companhia dos alimentos que comeram durante uma semana. O projecto Daily Bread: What Kids Eat Around the World, que é também um fotolivro, convida à reflexão. Ao "representar a diversidade de dietas em cada lugar", Gregg coloca em evidência as diferenças e sublinha as semelhanças na alimentação de crianças oriundas de cinco continentes.
A prevalência da comida de plástico, junk food, ou seja, de hambúrgueres, pizzas, cachorros, batatas fritas e produtos embalados de natureza ultraprocessada é transversal. "Muitas das crianças que conheci têm personalidades distintas, passatempos distintos, mas têm consumos alimentares sinistramente semelhantes”, diz ao P3 o fotógrafo, em entrevista por email. “Vivem em continentes diferentes, mas é como se os pais fizessem compras no mesmo supermercado global."
O que determina a alimentação de cada criança? A sua herança cultural? O poder de compra dos seus pais? O estilo de vida rural ou urbano? Segundo Gregg, não existe uniformidade entre os vários países que visitou. Se, por um lado, “nos Estados Unidos, são os mais pobres os maiores consumidores de junk food”, por outro, “em países em desenvolvimento, como a Índia, esse tipo de alimentação não está ao alcance dos mais pobres”. Nas áreas urbanas dos países em desenvolvimento, esse consumo é mesmo um sinal de riqueza e estatuto social, devido ao custo médio de cada refeição – o preço de uma pizza pode chegar aos 13 dólares, valor “que está muito além daquilo que podem pagar famílias de classe média ou baixa”.
O fotógrafo acrescenta que “crianças que vivem em áreas mais urbanas tendem a consumir mais produtos processados e embalados”. Paolo, em Roma, e Jessica, na Califórnia, têm dietas muito semelhantes, apesar de haver um oceano a separá-los. "Batatas fritas, hambúrgueres, massa, pizza, pão branco", enumera. "Comidas embaladas, ultraprocessadas, calorias 'vazias'." Em lugares mais remotos, por sua vez, "as refeições são preparadas e consumidas em ambiente doméstico” e, por isso, têm por base ingredientes mais naturais e frescos. Mas há excepções a esta regra. “Em alguns países e regiões, como o Sul de França ou a Sicília, em Itália, [mesmo em áreas urbanas] existe uma cultura gastronómica que valoriza a comida e os ingredientes de qualidade, o que se reflecte na dieta dos mais novos.”
Daily Bread contém 52 exemplos que podem ser conhecidos caso a caso. Razan Habib, por exemplo, tem 11 anos e vive com a mãe num complexo habitacional de luxo em pleno deserto, nos arredores do Dubai. "Ela só gosta de junk food, cheia de pão e hidratos de carbono", lamentou a mãe, durante a entrevista com Gregg. "Ela odeia vegetais." A sua comida favorita é o Whooper – um hambúrguer com pickles da cadeia Burger King. "Razan idolatra o Cristiano Ronaldo, adora jóias, maquilhagem e o seu telemóvel. Adormece, todas as noites, a ver vídeos no YouTube."
Longe desta realidade, Kawakanih Yawalapiti, de nove anos, vive no Parque Indígena do Xingu, no estado de Matogrosso, no Brasil. É membro da tribo Yawalapiti e passa a maior parte dos dias a brincar no rio e a ajudar os adultos a cozinhar e a pescar. Na aldeia onde reside não há electricidade ou água canalizada. A sua dieta é muito simples: peixe, tapioca, fruta fresca e frutos secos. "Demoras cinco minutos a apanhar o jantar", disse, por seu turno, Kawakanih ao fotógrafo. "Quando tens fome, vais até ao rio com uma rede e já está."
É difícil chegar a uma só conclusão, mas Gregg arrisca afirmar que "pode parecer contra-intuitivo, mas as crianças de países ou áreas mais pobres têm as dietas com base em ingredientes mais saudáveis". Fá-lo apoiado num estudo de 2015, elaborado pela Universidade de Cambridge, que deu origem a um ranking de dietas do mundo que tem por base o seu valor nutricional. "Espantosamente, nove das dez dietas mais saudáveis eram de países africanos. E quando olhamos de perto para aquilo que comem, faz sentido: vegetais frescos, fruta, sementes, grãos, muito peixe, pouca carne e zero alimentos processados."
O facto de a série de retratos se centrar na alimentação de crianças não é casual. "Centrei-me nelas porque os hábitos alimentares se criam desde cedo. E quem não se inicia num bom caminho até aos nove ou dez anos terá mais dificuldade, no futuro, em alterar a sua dieta." Não é surpreendente, por isso, que o projecto tenha gerado discussão, sobretudo entre os pais. Enquanto Gregg fotografava uma menina, o pai ia observando o resultado no computador portátil. "Abanava a cabeça e dizia 'Eu nem acredito que ela come este lixo todo. Vou ter de ter uma conversa com a mãe dela.' Uma mãe de Los Angeles, divorciada, olhava para toda a comida de plástico junto à filha e culpava o ex-marido. 'Só vejo uma tigela de brócolos. Comeu-a na noite em que ficou comigo', dizia." Os pais vão-se culpando mutuamente, reflecte. "O que significa que poderá estar a gerar-se alguma mudança."
Na génese de Daily Bread está a repetição da fórmula que Gregg criou para o seu projecto anterior, 7 Days of Garbage, no qual retratou amigos, vizinhos e conhecidos deitados no monte de lixo que os próprios "criaram" ao longo de uma semana.