Pensamos primeiro. Sentimos depois? Talvez não

Alimentar a comunicação que mantém próximo, que relembra e constrói cumplicidades, que edifica a verdadeira intimidade humana é crucial na maioria das fases de crise.

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Roger Goh/Unsplash

Do muito que se tem dito, comentado, escrito e aconselhado sobre o que fazer e no atravessar desta crise gigantesca provocada pelo coronavírus, vamos percebendo todos – pelo menos, assim espero! – que estamos perante um enorme desafio de transformação e mudança a vários níveis, em vários vértices das nossas vidas, individual, relacional e colectiva.

Perante todas as informações conhecidas acerca de o que é, como se comporta e do que é capaz este ínfimo ser microscópico, sentimos que essas nos convocam para uma vivência de ameaça, facilitadora da projecção imediata de catástrofe iminente!

Toda esta informação leva-nos a conhecer o medo e a experienciá-lo de forma única. Não é um medo comum, mas antes mais complexo. Aquele medo que nos atinge as entranhas e que, habitualmente nomeamos como “desamparo essencial”. Aquele que nos coloca frente ao sentimento de impotência básica, com a dimensão interior do não-saber (ausência do conhecimento para compreender e agir em conformidade) e da eterna e fundamental pergunta sobre quanto vale a nossa vida (a de cada um de nós e a dos nossos, daqueles que amamos)?

Dito isto, vamos, aos poucos, tomando consciência do que ganhamos em pôr em prática todas as medidas comportamentais preventivas e de contenção divulgadas, sem esquecer ou deixar para depois que, de igual modo, devemos também ir percebendo que em termos psicológicos o desafio do coronavírus nos convoca a algo mais profundo – o desafio do sentir para pensar!

É, pois, de máxima importância que cuidemos dos nossos vínculos de amor, isto é, de todas as relações que cada um de nós tem e vive com os seus entes significativos. Alimentar a comunicação que mantém próximo, que relembra e constrói cumplicidades, que edifica a verdadeira intimidade humana é crucial na maioria das fases de crise. Nesta, em particular, pela sua dimensão.

É natural e normal que nos próximos tempos os níveis de ansiedade subam, bem como os de depressividade e angústia. É natural e normal que cada um de nós, com o passar dos dias se sinta mais inquieto, aborrecido, impaciente, intolerante, irritadiço, desmotivado, triste, amedrontado e assim por diante.

O isolamento social, medida por demais fundamental para combater a epidemia, traz consigo o alimento oposto à excelente nutrição dos vínculos de amor – o chão que ladrilha universalmente as relações humanas, mantendo-as vivas, em crescimento e progresso criativo contínuo, sadias.

Este chão de vínculos, se intoxicado pelo medo empobrece na nobreza que lhe assiste! Quanto mais profundo (exigente) é esse medo, mais e melhor devemos cultivar o seu antídoto, uma vez que o chão também adoece! E se, muito fragilizado, acaba por perder de vista a linguagem, ferramenta por excelência ao serviço do pensamento criativo e da comunicação (interior e exterior).

Sejamos criativos, reinventemos e reforcemos a nossa forma de comunicar o que sentimos para, a cada momento da viagem coronavírus e mais à frente, podermos pensar em saúde mental e construir as soluções de fundo que vamos ter de encontrar para reconstruir o caminho! Sentimos primeiro, pensamos depois! 

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