Braga. Sem propostas de compra, Confiança pode vir a ser residência universitária
Sem qualquer oferta recebida até terça-feira, a Câmara Municipal cancelou a segunda hasta pública da antiga fábrica, agendada para esta quarta-feira, e vai, juntamente com a Universidade do Minho, tentar convencer o Estado a criar no local uma residência universitária.
Depois da primeira hasta pública para a venda da antiga saboaria e perfumaria Confiança, em 14 de Fevereiro, ter chegado ao fim em menos de dois minutos, sem qualquer proposta, a Câmara Municipal de Braga decretou que os eventuais interessados no edifício tinham de enviar propostas por carta fechada até terça-feira, a partir de um valor-base de 3,65 milhões de euros. As cartas, porém, não chegaram à autarquia, e a segunda hasta pública, agendada para as 10h30 de quarta-feira, foi cancelada, admitiu o presidente, Ricardo Rio, contactado pelo PÚBLICO.
Frustrada a venda do imóvel com um desenho que remonta a 1921, por intervenção de José da Costa Vilaça, a autarquia vai desistir de um processo de venda que estava em curso desde 2018 e, tal como antecipara em Fevereiro passado, articular-se com a Universidade do Minho para a implementação de uma residência universitária pública naquela zona, que dista cerca de 600 metros do campus localizado em Braga. “A Câmara Municipal e a Universidade vão sinalizar o edifício e o terreno adjacente junto das instâncias do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) para que ali possa ser construída uma residência universitária”, explicou o autarca.
A criação de uma residência universitária para cerca de 300 estudantes está prevista desde Janeiro de 2019, quando a maioria PSD/CDS-PP que lidera o executivo municipal aprovou um Pedido de Informação Prévia (PIP) que contempla a requalificação da outrora fábrica com respeito por “todas as características arquitectónicas e patrimoniais existentes”, incluindo o troço da Via Romana XVII ali existente e a construção, no terreno adjacente a norte, de um edifício com sete pisos capaz de acolher o grosso do alojamento e de um parque de estacionamento no subsolo, com 150 lugares.
Para Ricardo Rio, o projecto deve ser financiado pelo Estado central, uma vez que a Câmara Municipal, mesmo sendo a proprietária do edifício desde 2012, quando o comprou por 3,5 milhões de euros à empresa Urbinews, “não tem disponibilidade para investir um euro que seja”. O autarca reconheceu ainda que o ministério liderado por Manuel Heitor, caso avance com o projecto, tem a liberdade de alterar o PIP, desde que trabalhando em parceria com a Câmara, proprietária do imóvel e responsável pelo assunto em termos urbanísticos; a opção de um novo projecto para o local requer, porém, a validação por parte do Ministério da Cultura, depois do Conselho Nacional de Cultura ter aprovado o PIP, lembrou.
Mesmo com eventuais alterações ao projecto, o responsável adiantou que a autarquia vai “continuar a zelar para que o edifício continue a incorporar uma dimensão museológica relativamente à Fábrica Confiança” – o PIP estabelece que a antiga fábrica vai ter um centro interpretativo ou museu da Fábrica Confiança, com 500 metros quadrados, e ainda espaços de restauração, de comércio e de apoio à residência.
Câmara recusa transformar Confiança em espaço cultural
E se o MCTES avançar com um projecto que confina a residência ao novo edifício a ser construído, o que acontece à antiga fábrica Confiança? Em tal eventualidade, Ricardo Rio assumiu que a Câmara vai equacionar “várias soluções”, tendo em conta a “disponibilidade de verbas para eventuais reabilitações”, mas descartou a transformação do edifício num espaço cultural. “Não considero que afectar o espaço a fins culturais seja uma prioridade”, reiterou. “Se o espaço ficar devoluto ou não for incluído no projecto da residência, há várias outras possibilidades que possam ser do interesse municipal”.
A criação de um centro cívico e cultural é defendida pelo movimento cívico Salvar a Fábrica Confiança, que, ao longo dos últimos dois anos, se opôs à venda do edifício, com debates no seio da sociedade civil e acções em tribunal, recordou Luís Tarroso Gomes, membro da plataforma. O cancelamento da venda face ao que aconteceu nas duas hastas públicas foi “uma vitória importante do movimento cívico, que teve de despender muito tempo e muita energia para que isso acontecesse”, vincou.
Pronto a acompanhar a parceria com a Universidade do Minho, o cidadão defendeu, no entanto, que a residência só deve ser instalada no terreno a norte e não na fábrica que laborou entre 1894 e 2005, já que a arquitectura do edifício, a seu ver, “não é compatível com funções de alojamento”. “A Confiança foi expropriada para ser um espaço cultural, ainda para mais numa altura em que Braga apresentou uma estratégia para a cultura”, disse.
Tarroso Gomes lembrou ainda que a proposta da Salvar a Fábrica Confiança, além de não precisar de financiamento da Câmara para ser levado avante, pode agregar quem vive naquela zona populosa de Braga (a freguesia de São Vítor tem cerca de 30.000 habitantes), que “cresceu mal”, apenas com ruas e sem praças. “O edifício da fábrica, com 4.000 metros quadrados, deve ser um centro cívico e cultural para a cidade. Fazem falta à cidade espaços informais, que funcionem como uma espécie de praça pública onde decorram eventos”, defendeu.